terça-feira, 3 de novembro de 2015

Dano existencial "fere alma" do trabalhador, que deve ser indenizado

"O dano existencial ofende, transgride e arranha com marcas profundas a alma do trabalhador." A definição é de Luiz Otávio Linhares Renault, desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) e relator de um caso no qual um gerente que atuava em uma empresa da área de combustíveis obteve indenização de R$ 10 mil por ter que permanecer o dia todo de sobreaviso para ocorrências no serviço. 
 
Renault também criticou em sua decisão a ânsia de "produtividade" da "sociedade pós-moderna" e ressaltou: "Viver não é apenas trabalhar". 
 
De acordo com o trabalhador, seus períodos de descanso e convívio familiar não eram plenamente usufruídos, uma vez que ficava à disposição da empresa, de sobreaviso. Ele contou que era acionado para retornar ao trabalho durante madrugadas, aos finais de semana e até nas férias. O pedido foi indeferido em primeiro grau, pois o juiz entendeu que o empregado não provou a ocorrência de danos morais.
 
No entanto, ao analisar o recurso apresentado pelo trabalhador, a 1ª Turma do TRT-3 teve entendimento diferente e reformou a decisão para condenar a ré ao pagamento de R$ 10 mil por dano moral existencial. O desembargador Renault reconheceu que o extenuante regime de trabalho imposto ao funcionário comprometeu sua liberdade de escolha, inibindo a convivência familiar e social e frustrando seu projeto de vida. No entender do relator, a impossibilidade de desconexão do trabalho gerou prejuízo passível de reparação.
 
"Viver não é apenas trabalhar. É conviver, relacionar-se com seus semelhantes na busca do equilíbrio, da alegria, da felicidade e da harmonia, consigo própria, assim como em todo o espectro das relações sociais materiais e espirituais", destacou o julgador, ponderando que quem somente trabalha dificilmente é feliz. Assim como não é feliz quem apenas se diverte. "A vida é um ponto de equilíbrio entre o trabalho e lazer", registrou.
 
Para o desembargador, há violação ao princípio da dignidade humana previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, quando o empregado não pode se dedicar à sua vida privada em função do trabalho excessivo. A decisão pontuou que as relações familiares, o convívio social, a prática de esportes e o lazer são muito importantes. Segundo destacou, o trabalho extenuante retira a possibilidade de o prestador de serviços se organizar, desprezando o seu projeto de vida.
 
Crítica estrutural

 "A sociedade industrial pós-moderna tem se pautado pela produtividade, pela qualidade, pela multifuncionalidade, pelo just in time, pela disponibilidade full time, pela competitividade e pelas metas, sob o comando, direto e indireto, cada vez mais intenso e profundo do tomador de serviços, por si ou por empresa interposta", frisou Renault. Nessas circunstâncias, o desembargador afirmou que a moderna doutrina entende que se desencadeia o dano existencial, de cunho extrapatrimonial, que não se confunde com o dano moral.
 
A decisão se baseou em ensinamentos da professora e desembargadora Alice Monteiro de Barros para explicar o conceito e contexto do dano existencial. Em suas próprias palavras, o desembargador resumiu: "O dano existencial ofende, transgride e arranha com marcas profundas a alma do trabalhador, ulcerando, vilipendiando, malferindo diretamente os direitos típicos da dignidade da pessoa humana, seja no tocante à integridade física, moral ou intelectual, assim como ao lazer e à perene busca da felicidade pela pessoa humana, restringida que fica em suas relações sociais e familiares afetivas".
 
Na visão do julgador, a conduta da empresa em exigir sempre mais e mais trabalho de seus empregados, como se fossem uma "máquina ou uma coisa", pode configurar o dano existencial. Exatamente o caso dos autos em que ficou demonstrado que o reclamante, além de prestar horas extras, ainda tinha que ficar à disposição em tempo integral via celular.
 
Fonte - Conjur
 
 

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