sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Falta de local para amamentação no trabalho causa rescisão indireta de contrato

Se não houver local adequado para amamentação no seu trabalho, a empregada pode pedir recisão indiretra do contrato. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais.
 
Uma técnica em enfermagem pediu a rescisão do contrato de trabalho porque não teria conseguido um local apropriado para permanência da sua filha recém-nascida no período da amamentação no hospital em que trabalhava. O parágrafo 1º do artigo 389 da CLT prevê essa obrigação para os estabelecimentos em que trabalham pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade.
 
Em primeiro grau, o entendimento foi que o descumprimento da obrigação não constituiria natureza de falta grave a ensejar a aplicação da justa causa por parte do empregado. Para o juízo, a mulher preferiu sair do emprego para ficar com a criança, já que não tinha onde deixá-la. Ela recorreu ao TRT-MG.
 
No entender do relator, desembargador Rogério Valle Ferreira, a saída do emprego se deu pelo fato de não haver local adequado para amamentação, situação que justifica a rescisão indireta do contrato de trabalho. Segundo ele, essa possibilidade de desligamento se encontra prevista no artigo 483 da CLT, caso o empregador incorra em uma das faltas ali previstas. "O ato praticado pelo patrão deve ser grave o bastante para tornar insuportável a manutenção do vínculo de emprego", disse.
 
Além disso, o desembargador afirmou que não houve imediatidade no pedido da reclamante. Isto porque a reclamação foi ajuizada em 14 de junho de 2011, apenas um mês após o término da licença maternidade, sendo que o último dia trabalhado foi 6 de julho de 2011. "Apesar das dificuldades impostas, a obreira tentou permanecer no emprego. De um lado as necessidades básicas da filha recém-nascida foram prejudicadas, em face do prejuízo à amamentação. De outro, o sustento da família dependia da permanência no emprego, devendo ser relativizado, portanto, o requisito da imediatidade em face da hipossuficiência da trabalhadora", afirmou.
 
A turma deu provimento ao recurso da reclamante para modificar a sentença e declarar a rescisão indireta do contrato de trabalho, com a condenação do hospital ao pagamento das verbas decorrentes.
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Faturas de cartões de crédito terão de detalhar pagamento mínimo

A partir de fevereiro de 2015, faturas mensais de cartão de crédito de cinco bancos enviadas aos consumidores deverão conter informações claras sobre o que é o pagamento mínimo, além de explicar que esse tipo de pagamento, ou de qualquer outro valor entre esse e o valor total da fatura, implicará o financiamento do saldo devedor restante. Foi o que decidiu a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
 
O TJ-MG determinou também que nas faturas sejam especificados de forma clara e detalhada os encargos incidentes em caso de mora (nome e percentuais) e a taxa de juros para o caso de pagamento mínimo. 
 
A determinação foi dada aos bancos Bankpar S.A., Credicard Banco S.A., Banco Itaú Cartões S.A., Banco Itaucard S.A. e Banco do Brasil S.A., após ação civil coletiva movida pela Associação Nacional dos Consumidores de Crédito (Andec), Procon-BH e Defensoria Pública de Minas Gerais em maio de 2007.
 
Na época, o então juiz substituto da 20ª Vara Cível de Belo Horizonte, Mateus Chaves Jardim, concedeu antecipação de tutela e fez a determinação aos bancos, estabelecendo o prazo de dois meses para o cumprimento e fixando multa diária de R$ 100 mil em caso de descumprimento.
 
Em julho de 2007, o despacho do desembargador do TJ-MG Lucas Pereira suspendeu os efeitos da decisão do juiz de primeiro grau. Em maio de 2008, a decisão foi cassada pela 17ª Câmara Cível, que acolheu preliminar de incompetência absoluta para julgar o caso, reconhecendo a competência da Justiça comum do Distrito Federal.
 
A Andec, o Procon-BH e a Defensoria Pública recorreram então ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em julgamento ocorrido em agosto de 2013, entendeu ser possível o ajuizamento da ação no foro da capital do estado de domicílio do consumidor em caso de dano em escala regional ou nacional. O STJ então determinou o retorno dos autos ao TJ-MG para que prosseguisse o julgamento do recurso.
 
Na decisão publicada no último dia 19, o desembargador Evandro Lopes da Costa Teixeira, relator do caso, confirmou a determinação aos bancos, dando parcial provimento apenas para aumentar o prazo para cumprimento (seis meses) e diminuir o valor da multa diária em caso de descumprimento de R$ 100 mil para R$ 50 mil, limitada a R$ 1 milhão.
 
Segundo o relator do caso, “os consumidores do serviço de cartão de crédito são pessoas com os mais diversos padrões culturais e de escolaridade, que muitas vezes não possuem conhecimento de matemática financeira”. 
 
“Portanto”, continua, “a simples menção na fatura do percentual de juros que incidirá em caso de pagamento mínimo não é suficiente para a grande maioria dos consumidores terem conhecimento da repercussão que a opção pelo ‘pagamento mínimo’ terá em seu orçamento”.
De acordo ainda com o desembargador, há perigo de dano irreparável ou de difícil reparação no caso da não concessão do pedido, “uma vez que, diariamente, milhões de consumidores estão financiando o saldo das suas faturas de cartões de crédito sem compreenderem a repercussão do pagamento mínimo em seu orçamento”. Os desembargadores Eduardo Mariné da Cunha e Luciano Pinto acompanharam o relator.
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Contribuinte não pode se conformar com ilegalidades no ITR

Quando chega agosto temos algumas certezas: o clima mais frio, o dia dos advogados, dia dos pais e a elaboração da declaração do nosso Imposto Territorial Rural, que vence em setembro. Embora distintos, esses fatos tem algo em comum: ocorrem independentemente de nossa vontade e são uma certeza constante. Às vezes, aparecem com efeitos mais brandos. Outras com efeitos mais duros.
No caso da cobrança do ITR, os efeitos têm se tornado duríssimo. Há tempos atrás a comparação desse tributo com o patinho feio era incontestável. Entretanto, devido a modificações em sua forma de cobrança, o mesmo passou por forte transformação e agora se assemelha um gavião em busca de contribuintes.
 
Essa alteração pode ser sentida na “municipalização” do tributo, ocorrida com a Lei 11.250/2005, que permitiu a Receita Federal terceirizar a cobrança do imposto. Na prática, os municípios que firmarem o convênio com a Receita poderão cobrar a referida exação e ficar com o produto de sua arrecadação. Nada contra a prática. Afinal, diante do desinteresse em exercer a competência tributária e dificuldades em apurar o correto valor da terra nua dos imóveis em diversas localidades seria possível cedê-la aos que teriam maior interesse em cuidar disso. Ademais, os municípios já tratam de valor de imóveis urbanos para efeito da cobrança de IPTU. Em tese, só se delegou a competência tributária material e não a legislativa, ou seja, apenas arrecadação e fiscalização.
 
Se na teoria não há problemas, na prática existem diversos. O primeiro deles é que o IPTU é um tributo com lançamento de ofício, isto é, que a autoridade fiscal procede ao lançamento mediante valores fixos e determinados em processo legislativo e o ITR é imposto com lançamento por homologação — o contribuinte deve atribuir o valor que entende devido ao imóvel. O segundo decorre do primeiro e é a transmutação do critério de lançamento (de homologação para ofício) ao arrepio do processo legal. Na sanha de arrecadar mais, criou-se dois instrumentos de controle de preço de terra nua, sendo um municipal e outro federal, o famoso SIPT. Assim, se a DITR não é elaborada de acordo com a pauta de valores estabelecida por determinado Município, sabe se lá com base em que, o contribuinte será chamado a dar explicações e não as tendo será autuado com base na pauta mencionada. É a verdadeira transformação no critério de lançamento de homologação para ofício, sem norma legal. Existe ainda um terceiro, que é mais grave ainda: o conformismo dos contribuintes a essa questão. Acham que é assim a pronto.
 
A razão do conformismo tem sua raiz no comodismo. Na prática, funciona assim: uma vez que o valor da terra nua esteja lançado fora da pauta, o contribuinte será chamado a dar explicações e deverá fazer a contra prova por um laudo de avaliação elaborado de acordo coma norma ABNT 14653-3. Tal laudo dá muito trabalho e pode custar muito caro, donde o melhor seria deixar tudo como quer a administração. Assim, por mero reflexo condicionado, se aceita uma prática financeira sem se questionar se é legal.
 
Nada disso faz sentido. A diferença principal entre o IPTU e o ITR é o tipo de lançamento. Isso porque o lançamento por homologação empresta ao contribuinte o início do lançamento e com ele a presunção de boa fé e legalidade inerente aos atos jurídicos. Em português claro: o lançamento realizado pelo produtor rural pode ser questionado pela administração, mas o ônus da prova do erro é dela.
 
Não é válido o argumento de que a tabela seria um estudo individualizado e detalhado da situação do imóvel. Trata-se de simples pauta elaborada de forma não clara e específica pela administração. Se a prova de valor efetiva deve ser feita via laudo da ABNT, por força do principio da igualdade deve ser para as duas partes na relação jurídica instaurada com a tributação e o advento da discordância do valor da terra nua. Melhor sorte não possui o SIPT federal, que é feito tendo por base os dados de diversos municípios. Em caso de recursos perante o Carf deveria se proceder a busca da verdade material e não aplicação de tabela.
 
A inversão do ônus da prova ao arrepio da lei deveria causar revolta nos contribuintes. Tratando de outro imposto com lançamento por homologação, o ICMS, o Superior Tribunal de Justiça editou a sumula 431 que dispôs: “É ilegal a cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal”, ou seja, a invocação ao artigo 148 do CTN só é possível quando o sujeito passivo for omisso, reticente ou mendaz em relação ao valor ou preço de bens, direitos e serviços”, (conforme Baleeiro em RTJ, volume 74, págs. 840-842).
 
Esse não é o único argumento. Entender que a pauta tem validade e o tributo passou a ter outra forma de lançamento implicaria em revogar o artigo 10 da Lei 9393/1996, a lei de regência do ITR, e confirmaria ainda a possibilidade de delegação da competência tributária formal, o que é vedado pelo artigo 153 da Constituição Federal. Assim, já que não podemos evitar os efeitos de agosto, é preciso se preparar para eles. Questionar essa ideia estúpida das pautas é uma boa prática.
 
Fonte - Conjur

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Código de Defesa do Consumidor não se aplica a contratos de locação

A Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, ou simplesmente CDC, representou importante marco civilizatório nas relações de consumo, normatizando os direitos e deveres de consumidores, fabricantes e fornecedores de produtos e serviços.
 
Ao longo do tempo, a aplicação do CDC ganhou forma e conteúdo, tornando-se de conhecimento de grande parte da população, que começou a reivindicar os seus direitos, especialmente nos Juizados Especiais, já que a isenção de custas, e até mesmo a dispensa de advogado nas causas cujo valor não ultrapasse vinte salários mínimos, facilitam o aforamento de demandas.
 
Posteriormente ao CDC, em 18 de outubro de 1991, a famosa Lei do Inquilinato entrou em vigor (Lei 8.245/91), passando a regular a locação de imóvel urbano, como se verifica em seu artigo 1º, bem como no artigo 2º, que prevê as exceções de sua incidência.
 
Além de dispor sobre o contrato de locação de imóveis urbanos, a Lei do Inquilinato adentra no campo do Direito Processual Civil, instituindo ritos especiais para as demandas oriundas das relações locatícias (despejo, consignação em pagamento, revisional de aluguel e renovatória de locação), tudo isso em coerência com o fundamento de que o processo deve ser estruturado de acordo com a situação jurídica material para a qual serve de instrumento de tutela.
 
Não obstante se tratar de instrumento moderno, a Lei 8.245/91 vem sendo atualizada de forma pontual, a fim de adequá-la às demandas da sociedade, a exemplo do que se passa com a nova modalidade de locação denominada de "built do suit" (art. 54-A, incluído pela 12.744/12).
Vê-se, pois, que tanto a Lei 8.245/91, como o CDC, constituem microssistemas próprios, regulando importantes segmentos da realidade social. A questão que fica, porém, é: seriam esses dois diplomas conciliáveis?
 
A jurista Claudia Lima Marques, invocando as teorias do destinatário final e do diálogo das fontes, entende que o CDC se aplica às relações locatícias residenciais, in verbis:
“Vale lembrar que as normas do CDC são gerais e não revogam expressamente a lei especial existente e nem são revogados por leis especiais posteriores. Como ensina Oscar Tenório, pode haver a coexistência da nova lei em face da anterior lei, desde que compatíveis. A lei especial mais nova não afeta a vigência da lei geral anterior, no que não forem incompatíveis, sendo necessário examinar a finalidade das duas leis. É a regra da compatibilidade das leis. O CDC não trata de nenhum contrato em especial, mas se aplica a todos, a todos os tipos de contratos, se contratos de consumo. Neste caso não revogará as normas especiais referentes a estes contratos, que nem sempre são de consumo, mas afastará a aplicação das normas previstas nas leis especiais anteriores que forem incompatíveis com o novo espírito tutelar e de equidade do CDC.
Se a lei é posterior, como no caso da Lei 8.245/91, é de se examinar a compatibilidade do CDC com a lei mais nova. No caso, o CDC e a nova Lei de Locações são perfeitamente compatíveis, tratam de aspectos diferentes da mesma relação contratual e serão usadas conjuntamente quando tratar-se de locações urbanas não-comerciais”.                     
(IN Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 169, Editora Revista dos Tribunais, 6ª Edição)
Em sentido contrário, o jurista Sylvio Capenama de Souza defende que a Lei do Inquilinato deve prevalecer no caso da multa moratória de 10% sobre o débito, e também em relação à validade da renúncia das benfeitorias introduzidas no imóvel locado (CDC e seus Reflexos na Teoria Geral do Direito Civil, publicado na Revista da EMERJ, v.3, n10, 2000, página 68/95).
Embora persista no campo doutrinário, a polêmica há muito já foi superada pelo Superior Tribunal de Justiça, que firmou jurisprudência no sentido de negar a aplicação das normas do CDC aos contratos de locação, ipsis litteris:
CIVIL - RECURSO ESPECIAL - LOCAÇÃO - DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - MULTA MORATÓRIA CONTRATUAL - LEI DE USURA E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - INAPLICABILIDADE.
1 - Outrossim, é entendimento pacífico no âmbito desta Corte Superior de Uniformização Infraconstitucional a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078⁄90, com a redação dada pelo art. 52,d a Lei nº 9.298⁄96) nos pactos locatícios, especialmente no que se refere à multa pelo atraso no pagamento do aluguel, já que firmados de forma diversa (livre convenção) e nos termos da legislação pertinente (Lei nº 8.245⁄91). 
2 - Precedentes (REspnºs 262.620⁄RS, 266.625⁄GO e 399.938⁄MS).
3 - Recurso conhecido, porém, desprovido.
(STJ – 5ª Turma – Resp 324.015 – Relator Min. Jorge Scartezzini – Decisão Unânime – julgado em 03 de Outubro de 2002).
Desta forma, o entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça atende, de fato, aos anseios da sociedade civil organizada, na medida em que a Lei do Inquilinato decorreu de ampla participação de representantes dos interessados e vem sendo modificada dentro desta mesma sistemática.
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Aluguel alto não é desculpa para locatário dever por mais de cinco anos

A inadimplência do locatário leva à rescisão do contrato de aluguel, sendo descabido justificar que o “calote” foi dado porque os alugéis eram caros demais. Assim entendeu a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região ao determinar o despejo de uma empresa de ferragens que estava instalada em um imóvel do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no centro de São Paulo, e deve mais de R$ 95 mil.
 
A locatária havia sido condenada em primeira instância a pagar os aluguéis devidos desde dezembro de 2008, mas recorreu ao TRF-3. A empresa alegou que houve abuso nos reajustes dos aluguéis, pois o valor passou de R$ 7 mil, em 1996, para R$ 21.319,80, após 13 anos de contrato. Apontou ainda dificuldades financeiras devido à concorrência de seus produtos com mercadorias chinesas e solicitou um prazo maior para a desocupação voluntária do imóvel, afirmando que os 60 dias estipulados na sentença seriam insuficientes.
 
Para o desembargador federal Peixoto Júnior (foto), os índices aplicados no reajuste dos aluguéis foram livremente pactuados pelas partes. Ele considerou inviável alterar o critério apenas por causa das dificuldades financeiras da locatária porque, embora sejam reais, fazem parte do risco de sua própria atividade.
 
O desembargador disse que a revisão só foi solicitada após o acionamento judicial, “o que torna ilegítima a alegação da ré de eventual abuso praticado pelo autor”. Afirmou ainda que, “se a locatária entende que os valores dos aluguéis são abusivos, cabe a ela intentar a competente ação revisional”, sendo “vedada a opção pelo inadimplemento a pretexto de exorbitância da quantia cobrada”.
Ele também considerou razoável o prazo de saída fixado na sentença, por ser o dobro do estipulado no Código Civil de 1916 e quatro vezes maior do que o estabelecido na Lei de Locações. A decisão foi unânime.
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

LCP 147/2014 dá vez aos pequenos empresários na recuperação judicial

A Lei Complementar 147, de 07 de agosto de 2014 (Lcp 147) implementou significativas e benéficas mudanças na Lei 11.101/2005 (“LRF), microssistema jurídico de tutela do empresário e da sociedade empresária em crise econômico financeira, mas também trouxe junto com as soluções alguns problemas e incertezas.
 
Desde seu advento a LRF previu a possibilidade das microempresas e empresas de pequeno porte apresentarem pedido de recuperação com base em plano de recuperação especial (artigo 70). Dentre as peculiaridades do plano especial encontra-se a regra de que não será convocada assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano (artigo 72) e que a recuperação será concedida desde que o plano não receba objeções de credores titulares de determinado percentual de créditos (artigo 72, parágrafo único). Com a ausência do órgão deliberativo pretendeu-se desonerar as empresas de pequeno porte dos custos envolvidos na sua convocação e imprimir ainda mais celeridade ao processo.
 
Contudo, antes da entrada em vigor da Lcp 147, o plano especial previsto na LRF mostrava-se contraditório com a finalidade de um processo de recuperação mais benéfico, principalmente porque, ao contrário do plano regular, esse plano abrangia exclusivamente os créditos quirografários, deixando de fora os créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes do trabalho e os créditos com garantia real.
 
Nesse cenário a recuperação com base no plano especial beirou a tornar-se letra morta e foi pouquíssimo utilizada na prática. O número de microempresas e empresas de pequeno porte que pleitearam a concessão da recuperação pelo plano especial foi praticamente insignificante, visto que a sujeição exclusiva dos créditos quirografários era medida que dificultava sobremaneira o soerguimento da situação de crise econômico-financeira. Assim verificou-se que muitas dessas empresas ou deixaram de requerer a recuperação e rumaram diretamente para a falência ou apresentaram pedido com base no plano regular, quando o volume do passivo justificou os custos envolvidos.
 
O principal mérito da Lcp 147 está na correção dessa contradição, de que o plano especial supostamente mais benéfico acabava por ser mais desvantajoso, ao alterar o artigo 71, inciso I para sujeitar à recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, excetuados os decorrentes de repasse de recursos oficiais, os fiscais e os previstos nos parágrafos 3º e 4º do artigo 49, da mesma forma como ocorre na recuperação requerida com base no plano regular (artigo 49, caput).
 
As alterações não pararam por aí e vieram sanar pequenas imperfeições do regramento anterior sobre o mencionado plano. A remuneração do administrador judicial nesse caso foi fixada no limite de 2% do valor dos créditos devidos (art. 24, § 5º), criando-se distinção com relação à remuneração do administrador na recuperação regular que pode chegar a até 5% (art. 24, § 1º), com o objetivo de reduzir a oneração do pequeno devedor. Anteriormente, o devedor que houvesse obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial há menos de 8 anos não poderia requerer recuperação novamente, a partir de agora o prazo foi reduzido para 5 anos (art. 48, III), igualando o prazo aplicável à recuperação regular (art. 48, III).
 
Os prazos para de parcelamento dos créditos tributários e previdenciários, em sede de recuperação, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei 5.172/1966 do CTN, passam a ser 20% superior àqueles regularmente concedidos às demais empresas requerentes da recuperação normal (artigo 68, parágrafo único). As parcelas de pagamento aos credores que eram corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de 12% a.a., passam a ser acrescidas de juros equivalentes à taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic); ainda, definiu-se possibilidade de proposta de abatimento do valor das dívidas, medida usual na recuperação regular (art. 71, II). Como não há assembleia geral de credores na recuperação especial o plano para ser aprovado não pode sofrer objeção de credores titulares de determinado percentual de créditos; visto que passou a haver mais de uma classe de credores o artigo 72, parágrafo único foi alterado para prever que será decretará a falência do devedor na hipótese de o plano ser objetado por “credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no artigo 83, computados na forma do artigo 45”.
 
Em síntese, as modificações legislativas referentes à recuperação com base no plano especial buscaram fazer valer a ideia de que essa recuperação seja de fato “especial”, menos onerosa e em alguns pontos, senão mais benéfica que a recuperação regular, no mínimo a ela equiparada.
Ainda, na falência os créditos devidos aos microempreendedores individuais e às microempresas e empresas de pequeno porte foram elevados à condição de privilegiados (artigo 83, inciso IV, alínea “d”).
 
Outra significativa alteração da Lcp 147 e que certamente causará expressivos reflexos na dinâmica da negociação sobre o plano de recuperação judicial e votação em assembleia é a criação da uma quarta classe de credores, em que inserem-se aqueles titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte (artigo 41, inciso IV), classe esta que comporá a assembleia junto com as classes dos credores titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho (I), titulares de créditos com garantia real (II) e titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados (III). É interessante notar que na classe IV o cômputo dos votos se dará por cabeça e não pelo valor dos créditos, da mesma forma como já ocorria com os votos da classe I (artigo 45, parágrafo 2º).
 
Questão que pode suscitar debates é que o critério de enquadramento para a classe IV é a qualidade daquele que detém o crédito, no caso microempresa ou empresa de pequeno porte, inovando e destoando do critério definidor das demais classes, em que os credores são distribuídos com base na natureza do crédito que detém. Em verdade, o critério de divisão por classes em razão da natureza do crédito é apenas o critério aparente, o qual decorre do critério subjacente. O critério subjacente e que justificou a criação das anteriores três classes funda-se na diversidade de interesses que os credores detentores de determinados tipos créditos têm na recuperação, ou seja, presume-se que o voto dos trabalhistas será orientado por motivos diversos daqueles orientadores dos votos dos credores com garantia real, como também, que os interesses dos credores quirografários serão diversos dos demais. Nesse sentido, pode-se afirmar que a Lcp 147 entendeu que os credores que sejam microempresa ou empresa de pequeno porte, independentemente da natureza de seu crédito, possuem interesses diversos das demais três classes já existentes.
 
Em resumo, a assembleia geral de credores passa a ser composta por quatro classes de credores com interesses aparentemente distintos com os quais o devedor deverá negociar e os quais deverá contemplar em seu plano. Sendo que com uma classe própria as microempresas e empresas de pequeno porte têm seu poder de barganha consideravelmente aumentado.
 
Ponto de incerteza resultante da criação de uma nova classe de credores refere-se à publicação dos editais contendo relação de credores ocorrida nos processos de recuperação em andamento, visto que a Lcp 147 entrou em vigor na data de sua publicação (artigo 15). Os próximos editais deverão contemplar a classe IV ou as alterações passarão a valer unicamente para as recuperações ajuizadas após a data de 7 de agosto de 2014?
 
Os dispositivos da LRF que cuidam da confecção das relações de credores e subsequente publicação dos editais são normas processuais, destinada a regular o processo, e como tais sujeitam-se ao princípio da aplicação imediata das normas processuais (tempus regit actum).
 
Para que o processo esteja em curso, por óbvio, é preciso que o devedor tenha apresentado o pedido de recuperação em juízo com petição inicial instruída com a relação nominal completa de credores (art. 51, III). Nesse caso o ato jurídico perfectibilizou-se com base na redação antiga do artigo 45, ainda que não tenha sido publicado o edital a que se refere o artigo 52, parágrafo único, razão pela qual não parece acertado que se determine ao devedor a emenda da petição inicial para contemplar eventual quarta classe de credores, quanto mais que se ordene a republicação do edital do artigo 52, parágrafo único.
 
Situação diversa é aquela da relação de credores confeccionada pelo administrador judicial (art. 7º) ainda não apresentada nos autos e publicada no edital previsto no artigo 7º, parágrafo 2º. Dada a natureza processual do artigo 7º as modificações da Lcp 147 ao artigo 45 tem aplicabilidade imediata sobre a elaboração e publicação da relação pelo administrador, a qual deverá contemplar a nova classe de credores. Situação em que, caso o plano de recuperação já tenha sido apresentado, será necessário que o devedor apresente aditivo contemplando a nova classe relacionada.
 
Já quanto ao quadro geral de credores, na hipótese deste vir a ser consolidado pelo administrador e homologado pelo juiz (art. 18) após a realização da assembleia geral de credores, conforme usualmente ocorre, igualmente ao que se comentou sobre a relação de credores do devedor, não há razão para que contemple a nova classe IV ou que se ordene sua republicação, uma vez que o ato de votação do plano em assembleia já se perfectibilizou.
 
Há, ainda, omissão da Lcp 147 quanto ao quórum mínimo necessário para concessão da recuperação com base no cram down (art. 58, § 1º), que desde já gera incertezas e se não seja sanada em tempo causará consideráveis problemas. Prevê o artigo 58, parágrafo 1º que juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do artigo 45, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa: o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes (I); a aprovação de duas das classes de credores nos termos do artigo 45 ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos um delas (II); e na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores, computados na forma dos parágrafos 1º e 2º do artigo 45 (III).
 
As disposições sobre o quórum para concessão da recuperação pelo cram down estão estruturadas a partir da redação antiga do artigo 45 que previa a existência de apenas três classes de credores. Havendo três classes de credores, a aprovação em duas das classes é atualmente um dos requisitos cumulativos para o cram down, porém, a partir da vigência da Lcp 147, podem haver quatro classes; por consequência, a redação do artigo 58, parágrafo 1º ao não sofrer alterações ficou omissa com relação à hipótese de haver rejeição em duas das possíveis quatro classes e, em sendo esse o resultado da assembleia, se seria caso de decretação da falência ou se haveria a possibilidade de concessão da recuperação com base no cram down.
 
A Lcp 147 merece elogios pelo intento de salvaguardar as microempresas e empresas de pequeno porte em situação de crise econômico-financeira ao implementar alterações importantes no regime da recuperação judicial com base no plano especial. Mesmo que possa haver celeuma acadêmica entorno dos critérios empregados para a criação de uma quarta classe de credores para essas empresas ao menos é válido o resultado prático de aumento do poder de negociação destas com relação ao plano. Já seus problemas e suas incertezas precisam ser corrigidos e elucidados com a maior brevidade possível pois, apesar de ainda serem pequenos, podem ganhar dimensão e comprometer os resultados das recuperações presentes e futuras. Por fim, parece que chegou a vez dos pequenos terem, efetivamente, lugar na lei de recuperação de empresas e falências.
 
Fonte - Conjur

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Estacionamento é responsável por objetos no interior de carro

A responsabilidade pela guarda do veículo inclui os bens em seu interior. Seguindo esse entendimento a 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, por unanimidade, manteve a sentença que condeou um supermercado e a empresa que administra o estacionamento do local a indenizar um consumidor que teve objetos furtados do interior de seu carro.
 
"A jurisprudência tem entendido que a responsabilidade do fornecedor nos casos em questão inclui os objetos que estejam dentro do veículo. Muito embora não seja meu entendimento pessoal, a essa corrente majoritária devo me curvar", observou o juiz Flávio Augusto Martins Leite ao justificar seu voto pela manutenção da sentença.
 
No caso, o cliente ingressou com ação de indenização contra um hipermercado e a administradora de seu estacionamento, pois teve objetos furtados no interior de seu carro. Em decisão de primeira instância, o juiz condenou os dois réus ao pagamento de R$ 8.510,30, a título de indenização por danos materiais.
 
Os réus recorreram, porém, a Turma Recursal decidiu que a condenação deveria permanecer como foi proferida, uma vez que a responsabilidade pela guarda do veículo inclui os bens em seu interior.
"Embora não se comprove a presença dos bens dentro do veículo, o registro imediato do fato em delegacia existente nas proximidades indica verossimilhança dessa presença", concluiu o juiz relator.
 
Falta de provas
Na decisão que manteve a sentença, o juiz Flávio Augusto Martins Leite fez questão de registrar que em nenhum momento houve a comprovação de que o veículo estava no estacionamento na hora e local indicados.
 
"Num estacionamento pago é fornecido um cartão à entrada e uma nota dos serviços à saída. Ademais, constatado o furto, imediatamente visível conforme descrição do boletim de ocorrência, o natural seria o registro do fato junto da administradora. Nenhum desses documentos foi apresentado, mas à míngua de recurso acerca da questão prevalecerá a sentença que entendeu comprovado que o furto de fato ocorreu no estacionamento", registrou.
 
Fonte - Conjur

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Tributos devem ser restituídos em caso de perdimento de mercadoria

A pena de perdimento da mercadoria é a sanção administrativa mais severa no âmbito aduaneiro e decorre do cometimento de uma infração,[1] de ações que causem “dano ao erário”[2], ou em casos de mercadoria abandonada.[3]
 
Sem pretender adentrar neste mérito, cumpre informar e salientar que, ainda que a pena de perdimento seja determinada, sem o efetivo leilão da mercadoria ou destinação, em tese, ainda haverá medidas para relevação desta situação, com a consequente relevação da pena, seja administrativamente ou medida judicial.
 
Ocorre que, sendo irreversível a pena de perdimento, caberá restituição do imposto de importação, tendo em vista haver previsão legal pela não incidência do imposto de importação em casos de pena de perdimento.[4]
 
Conforme o texto legal, a não incidência refere-se a bens com pena de perdimento decretada, mas que ainda estejam em poder da Secretaria de Receita Federal, já que a parte final do artigo restringe a não aplicação do imposto de importação para bens já desembaraçados, como por exemplo, em casos de revisão aduaneira.
 
Quanto às maneiras de se reaver o montante recolhido como imposto de importação, em relação à restituição, as possibilidades encontram-se expressas em rol[5], não havendo previsão para o caso da pena de perdimento da mercadoria.
 
Por outro lado, há possibilidade do pedido de compensação[6], tanto na legislação específica aduaneira como geral tributária[7], com ressalva expressa de que a compensação não pode ocorrer com tributos ou contribuições decorrentes de outra operação de importação.[8] Dessa forma, as possibilidades estão concentradas em outros tributos e contribuições como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins e IPI. O pedido deve seguir os ditames administrativos legais[9].
 
Recentemente, o Conselho Administrativo de Recursos Federais (Carf), decidiu de forma favorável aos importadores que se encontrem na situação delimitado pelo tema:
“Acórdão 3803-005.863, publicado em 05.06.2014
PERDIMENTO DEFINITIVO. RESTITUIÇÃO DE TRIBUTOS PAGOS.
O perdimento definitivo de mercadoria apreendida durante o despacho aduaneiro de importação afasta a incidência dos tributos sobre a importação, ao teor do inciso III do § 4º do art. 1º do Decreto-lei nº 37/66, porquanto a mercadoria foi localizada, não foi consumida nem revendida. Corolário disso, os tributos pagos por ocasião do registro da declaração de importação devem ser restituídos.”
Dessa forma, a presente decisão concede maior certeza de êxito, cabendo aos importadores que busquem o procedimento para a devida restituição.
 
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Atualização do CDC adota a teoria da carga dinâmica da prova

No momento em que se discute a “modernização” do Código de Defesa do Consumidor (CDC), várias foram as manifestações da sociedade sobre a necessidade de os juristas incumbidos dessa tarefa e, após, os parlamentares que se apropriassem do texto, não retrocederem nas conquistas já sedimentadas dos consumidores, atendendo ao que se propõe uma lei cujo enunciado diz a que veio: proteger o consumidor.
 
É justamente em um dos direitos básicos desse consumidor que se insere uma das relevantes ferramentas que mais atendem ao propósito do CDC: a inversão do ônus da prova (artigo 6º, VIII). Ainda que o comando seja claro, permanecem as discussões a respeito da aplicação do dispositivo, seja quanto às condicionantes a ele inerentes (caracterização da hipossuficiência ou vulnerabilidade), seja quanto ao momento processual de sua aplicação, o que será melhor explorado a seguir.
 
Ônus da prova

 Não é possível negar a importância da prova para o processo, como já pontificava Bentham ao afirmar que “el arte del processo no es essencialmente outra cosa que el arte de administrar las pruebas[1].
 
Diante disso, para efetivamente proteger determinado grupo social (sujeito de direitos), fez-se necessário lançar mão de inúmeros dispositivos que invertem a lógica acima, como o fez o CDC ao preconizar a inversão do ônus da prova como direito básico do consumidor, além de distribuí-la de forma diferente da habitual para garantir a proteção dele.
 
Ocorre que, mesmo na visão tradicional do processo, a atual disciplina do ônus probatório é colocado em xeque:
 
“(...) nem sempre autor e réu têm condições de atender a esse ônus probatório que lhes foi rigidamente atribuído — em muitos casos, por exemplo, veem-se diante de prova diabólica. E não havendo elementos suficientes nos autos para evidenciar os fatos, o juiz terminará por proferir decisão desfavorável àquele que não se desincumbiu do seu encargo de provar (regra de julgamento). É por isso que se diz que essa distribuição rígida do ônus da prova atrofia nosso sistema e sua aplicação inflexível pode levar a resultados injustos”.[2]
 
Se isso fica evidente nas hipóteses em que há nítido desequilíbrio entre as partes (relação entre consumidor e fornecedor, empregado e empregador), mesmo nos conflitos entre iguais a adoção rígida da distribuição do ônus probatório pode ser muito prejudicial para o alcance do resultado adequado da demanda submetida ao Judiciário, afastando-o de sua finalidade precípua de promover e manter a paz social.
 
Nesse sentido a doutrina estrangeira passa a trabalhar com a “teoria da carga dinâmica da prova”, inicialmente tão bem defendida por Bentham, para quem a carga da prova deve ser imposta, em cada caso concreto, à parte que possa realizá-la com menos demora, transtornos e gastos[3].
 
Entretanto, há muitas críticas sobre a adoção, no país, da teoria da carga dinâmica da prova, por força expressa do artigo 333 do Código de Processo Civil vigente, que, salvo melhor juízo, ilustra a adoção da mais pobre hermenêutica jurídica que pode ser conferida a uma lei: a interpretação literal.
 
Para justificar essa linha de raciocínio, oportunas as palavras de Paulo Rogério Zaneti:
 
“Nesse caminhar, temos que o principal fundamento da doutrina da carga dinâmica da prova é a justiça. Mas não é o único. Também se pode citar como fundamento da teoria da carga dinâmica da prova o dever que têm as partes de se conduzirem no processo com lealdade, probidade e boa-fé, o dever de colaborarem entre si para descobrirem a verdade dos fatos, assim como o dever de cooperação com o órgão jurisdicional para averiguar como ocorreram os fatos, a fim de que aquele possa proferir uma sentença justa”.[4]
 
Para por uma pedra em cima da celeuma instaurada, que tanto prejudica o bom andamento dos feitos ajuizados, o projeto de lei que tem por objetivo a atualização do Código de Processo Civil, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados (PL 8.046/10), adota a teoria da carga dinâmica da prova, assim prescrevendo, em sua redação original[5]:
Art. 358. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.
§ 1º Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 357 deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2º A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.
A disciplina do ônus da prova no CDC

 O Código de Defesa do Consumidor, para concretizar a proteção e defesa do consumidor pretendidas, disciplinou o tema de duas formas: ora prevendo a inversão do ônus da prova a critério do juiz, enquanto direito básico do consumidor (art. 6º, VIII); ora atribuindo-o desde o início ao fornecedor (art. 12, § 3º, art. 14, § 3º e art. 38).
As maiores discussões em torno do tema no CDC repousam na condicionante da hipossuficiência para a aplicação da inversão do ônus da prova a critério do juiz e sobre o momento processual em que esta deve ser aplicada.
 
Acerca do primeiro tópico, uma das maiores autoridades em matéria de processo civil no país e autor do anteprojeto do CDC, professor Kazuo Watanabe, chegou a sustentar que o conceito de hipossuficiência seria o constante do artigo 2º, parágrafo único, da Lei 1.060/50, ou seja, de caráter meramente econômico. Mais tarde, entretanto, o professor Kazuo reviu essa posição[6],aproximando-se do que sustenta atualmente a doutrina consumerista, o que fica evidente neste excerto de Rizzatto Nunes:
 
“Mas hipossuficiência, para fins da possibilidade de inversão do ônus da prova, tem sentido de desconhecimento técnico e informativo do produto e do serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício, etc.”.[7]
A outra discussão acerca do tema no CDC ganha contornos menos nítidos, haja vista o quilate dos defensores de cada uma das visões dissonantes. Para que não se torne o ponto central deste artigo, a divergência ficará restrita a doutrinadores de excelência:
 
“Quanto ao momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova, mantemos o mesmo entendimento sustentado nas edições anteriores: é o do julgamento da causa”. (...) Efetivamente, somente após a instrução do feito, no momento da valoração das provas, estará o juiz habilitado a afirmar se existe ou não situação de non liquet, sendo caso ou não, consequentemente, de inversão do ônus da prova. Dizê-lo em momento anterior será o mesmo que proceder ao prejulgamento da causa, o que é de todo inadmissível”.[8]
 
“Controverte-se a respeito de se saber qual o momento processual em que deve se operar a inversão do ônus da prova (...), que o momento adequado para a inversão do ônus da prova seria o da fase instrutória, ‘mais adequado que na sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes litigantes’. Essa orientação parece ser a mais correta, seja porque a inversão do ônus da prova, como se viu, não é automática, seja porque mais consentânea com os princípios do devido processo legal”.[9]
 
Ocorre que o entendimento judicial foi consolidado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça quando da conclusão do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial 422.778-SP[10], confirmando o entendimento de que a inversão do ônus da prova, como regra de julgamento, deve ocorrer antes da prolação da sentença, preferencialmente na fase de saneamento do processo ou, pelo menos, assegurando-se a possibilidade de produção de novas provas por aquele a quem foi atribuído tal ônus, após a instrução do feito.
 
Apesar da esperada pacificação do aludido entendimento, a disciplina do ônus da prova no CDC ganhará novos ingredientes se aprovada a redação do diploma submetido à discussão pelo senador Ricardo Ferraço, relator da Comissão Temporária de Modernização do Código de Defesa do Consumidor no Senado[11], consagrando-se a teoria da carga dinâmica e o momento no qual deve ocorrer a inversão, em consonância com o entendimento do STJ supracitado:
PROJETO DE LEI DO SENADO No 282, DE 2012
Altera a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina das ações coletivas e fortalecer os PROCONs e órgãos públicos do sistema nacional de defesa do consumidor.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1o A Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), passa a vigorar com as seguintes alterações:
(...)
CAPÍTULO I–A
DO PROCEDIMENTO DA AÇÃO COLETIVA
Seção I Disposições Gerais
Art. 90-A. A ação coletiva, na fase de conhecimento, seguirá o rito ordinário estabelecido no Código de Processo Civil, obedecidas as modificações previstas neste Código.
§ 1o O juiz poderá:
I – dilatar os prazos processuais, em decisão fundamentada e ouvida as partes;
II – alterar a ordem da produção dos meios de prova, até o momento da prolação da sentença, adequando-os às especificidades do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico coletivo, sem prejuízo do contraditório e do direito de defesa.
(...)
Seção III
Da Tramitação do Processo
Subseção I
Da Resposta do Réu e da Audiência Ordinatória
(...)
Art. 90-D. Não obtida a conciliação e apresentada a defesa pelo réu, o juiz designará audiência ordinatória, tomando fundamentadamente as seguintes decisões, assegurado o contraditório:
(...)
VI – esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova e sobre a possibilidade de sua inversão, em favor do sujeito vulnerável, podendo, desde logo, invertê-lo, sem prejuízo do disposto no art. 6o, VIII, atribuindo-o à parte que, em razão de deter conhecimentos técnicos ou científicos ou informações específicas sobre os fatos da causa, tiver maior facilidade em sua demonstração;”
A evolução da sociedade, pautada pelo consumo de massa, transformou radicalmente as relações sociais no decorrer do século XX, exigindo grandes reflexões dessa mesma sociedade e do Estado para dar respostas efetivas aos problemas cada vez mais complexos que iam surgindo.
Foi com esse espírito que o constituinte originário brasileiro de 1988 editou a Carta Maior, trazendo a defesa do consumidor ora como direito fundamental do cidadão, ora como princípio balizador da atividade econômica.
 
Nessa linha, um dos institutos mais festejados nesse sentido é o direito básico do consumidor à facilitação da defesa dos seus direitos, com a possibilidade da inversão do ônus da prova no processo civil.
 
Ainda que tenha suscitado discussões doutrinarias e judiciais por anos a fio, cada vez mais a disciplina do ônus da prova no processo civil passa a se assemelhar às inteligentes disposições do CDC, que, ainda que para restabelecer um necessário equilíbrio, consagra a ideia de que aquele que tem mais condições de produzir a prova é que deve fazê-lo.
 
E é por essa linha, mediante a adoção da “teoria da carga dinâmica da prova” que as atualizações do Código de Processo Civil e do Código de Defesa do Consumidor seguirão, para o bem da sociedade brasileira!
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Decisões das cortes protegem bens de família em casos de penhora

A legislação brasileira consagrou entendimento de que, em regra, o devedor responde com a totalidade do seu patrimônio pelas dívidas que contraiu, em perfeita sintonia com o disposto nos artigos 391, do Código Civil Brasileiro e 591, do Código de Processo Civil, ressalvadas as exceções explicitadas em lei.
 
A conversão da Medida Provisória 143, de 8 de março de 1990, resultou na Lei 8.009/ 1990, conhecida como a Lei do Bem de Família, que estabeleceu a impenhorabilidade do dito bem de família, entendido como o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, que, a partir de então, não responde por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, desde que contraída pelos cônjuges ou pelos pais, ou filhos, que sejam proprietários e nele residam, salvo as hipóteses previstas na própria lei.
 
Coube ao Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula 364, de 15/10/2008, definir e delimitar a abrangência do conceito de entidade familiar, acatando a inclusão, como bem de família, do imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.
 
O STJ também pacificou o entendimento pela impenhorabilidade do bem de família locado para prover os meios de subsistência do seu proprietário, conforme se verifica no AgRg no AgRg no REsp 1.127.611/SP, relatado pelo ministro Ari Pargendler, em julgado unânime de 17/09/2013 da 1ª Turma.
 
Em outro julgado, a corte reconheceu a proteção do bem de família ao imóvel locado a terceiro, único bem do proprietário que reside em outro país (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 798206/SP, sob a relatoria do ministro Aldir Passarinho Junior, com decisão unânime em 2/03/2010 na 4ª Turma).
 
Nessa mesma linha de raciocínio, a egrégia corte infraconstitucional acolheu a tese de respeito ao bem de família locado para favorecer a locação de outro imóvel ao proprietário, destinado a sua residência, como se vê no REsp 714.515/SP, tendo como relator o ministro Aldir Passarinho Junior, decisão unânime de 10/11/2009 da 4ª Turma.
 
A dúvida quanto à penhorabilidade do único bem de elevado valor também foi tema do REsp 1.440.786/SP, relatado pela ministra Nancy Andrighi, em decisão unânime em 18/11/2010. A 3ª Turma entendeu que as exceções previstas no artigo 3º da Lei 8009/90 não fazem nenhuma indicação concernente ao valor do imóvel, e, portanto, é irrelevante, para efeitos de impenhorabilidade, que o imóvel seja considerado luxuoso ou de alto padrão.
 
E as questões não pararam por aí.
 
Por se tratar de questão de ordem pública, é inadmissível a renúncia à proteção conferida ao bem de família pelo devedor, conforme mansa e pacífica jurisprudência do STJ, como se vê, por exemplo, no REsp 1.200.112/RJ, da relatoria do ministro Castro Meira, em decisão unânime de 07/08/2012, da 2ª Turma. A renúncia só é admitida nas hipóteses previstas no ordenamento jurídico.
 
No caso de imóveis de uso misto — residencial e comercial —, a corte manifestou a possibilidade de penhorabilidade da parte do imóvel comercial, desde que seja possível seu desmembramento, sem prejuízo da área destinada a moradia (REsp 968.907/RS - relatora ministra Nancy Andighi, decisão unânime de 19/03/2009 da 3ª Turma).
 
O fundamento de todas as decisões concentra-se no proveito da família de forma positiva em relação ao único bem, não sendo contemplada a hipótese impenhorabilidade para a especulação imobiliária, quando o imóvel fica vazio por longo prazo, sem a sua devida e esperada utilização.
 
A pequena propriedade rural mereceu também a proteção da impenhorabilidade do bem de família, calcada no artigo 5º, XXVI, da Carta Magna de 1988 (REsp 1.237.176/SP).
 
O artigo 649 do CPC define os bens que são absolutamente impenhoráveis, atendendo ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, na forma do artigo, 1º, inciso III, da Carta Magna.
As exceções à impenhorabilidade do bem de família decorrem de expressa previsão legal, in casu, o artigo 3º e seus incisos, da Lei 8.009/90, com respaldo de iterativos julgados do STJ e do STF, ad colorandum:
I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias - REsp 644.733/SC;
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato - REsp 1.440.786/SP;
III – pelo credor de pensão alimentícia - REsp 1.186.225/RS;
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar - REsp 1.324.107/SP;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar - REsp 997.261/SC;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens - REsp 1.021.440-SP;
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991) - RE 407.688-SP do STF;
A questão mais recorrente em nossos tribunais diz respeito à fiança, contrato unilateral, gratuito, solene, benéfico e personalíssimo que gera efeitos somente em relação ao obrigado, no caso o fiador, firmado em razão da confiança entre este o locatário, e que não admite interpretação extensiva, conforme se depreende do artigo 819, do Código Civil de 2002.
 
A validade da fiança, após o vencimento do prazo inicial do contrato, ou seja, nas suas prorrogações automáticas e legais, foi objeto de inúmeras contendas, restando dirimida a controvérsia a partir do novo texto do artigo 39 da Lei 8.245/91, levado a efeito pela Lei 12.112/2009, e também pelo EREsp 566.633/CE, que definiu a validade da fiança nessas circunstâncias, contanto que expressamente prevista no contrato.
 
Por todo o exposto, pertinentes as decisões das cortes superiores ao preservarem o bem de família, a partir do respeito ao proveito e proteção da instituição familiar.
 
Fonte - Conjur

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Incorporadora sucede a incorporada em relação aos créditos de ICMS

A incorporação é a operação societária pela qual uma empresa (a incorporada) é absorvida completamente por outra (a incorporadora), que lhe sucede em todos os direitos e obrigações, conforme o Código Civil, artigo 1.116 e a Lei 6.404/76, artigo 227. Com a incorporação, a sociedade incorporada não se dissolve, mas se extingue, de acordo com o artigo 1.118 do Código Civil, passando o seu patrimônio a pertencer integralmente à incorporadora, que a sucede a título universal. No âmbito tributário, a incorporadora sucede a incorporada também em relação a eventuais créditos acumulados de ICMS? Advogados e consultores jurídicos possivelmente responderiam intuitivamente à indagação com uma afirmativa, mas a questão não é tão simples (conquanto não seja tampouco demasiado abstrusa, como lograremos demonstrar).
 
De fato, apesar de ter reforçado a regra da sucessão universal ao dispor, em seu artigo 132, que a incorporadora terá a responsabilidade pelos tributos devidos pela incorporada, o CTN não se pronunciou expressamente sobre a sucessão da incorporadora em relação aos créditos acumulados pela incorporada. Ademais, é a priori controversa a posição que considera que os créditos integram o patrimônio da empresa, pois a ela se opõe a corrente que questiona a liquidez, exigibilidade ou oponibilidade do crédito escriturado de ICMS contra a Fazenda Pública (e cuja tese principal seria, resumidamente, a de que o crédito não representa um título conversível, a qualquer tempo, em dinheiro ou equivalente).
 
Apesar dos obstáculos apontados, não se questiona que a incorporada tem o direito de aproveitar os créditos regularmente escriturados, respeitados os ditames legais (como, por exemplo, o prazo decadencial de cinco anos, artigo 23, parágrafo único, da LC 87/96). Assim, como na incorporação a incorporadora sucede a incorporada em todos os direitos e obrigações, não faria sentido algum que isso não abarcasse os créditos de ICMS acumulados pela incorporada.
 
Ademais, conquanto o CTN de fato não tenha tratado expressamente da matéria, tampouco ele vedou a sucessão em análise. Com isso, prevalece a sucessão também em relação aos créditos, seja como decorrência dos citados artigos 1.116 do Código Civil e 227 da Lei das S/A, seja por uma questão de decorrência lógica do próprio CTN, pois à responsabilidade pelos débitos (obrigações) associa-se, como contrapartida, a legitimidade dos créditos (direitos).
 
Foi esta segunda linha argumentativa, aliás, que os professores Igor Mauler Santiago e Raphael Frattari Bonito (As operações de fusão e incorporação de sociedades e o direito à compensação de créditos acumulados de ICMS. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 16, 20 jul. 1997) defenderam o direito a sucessão do crédito, em artigo inédito sobre a matéria, já em 1997.
 
Os citados professores elencam, ainda, outros fundamentos normativos de grande relevância na fundamentação do direito da incorporadora de compensar os créditos de ICMS acumulados pela incorporada, nomeadamente: a norma nuclear da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º, da Constituição); a vedação de tributação confiscatória (artigo 150, IV, da CF), há que a fulminação dos créditos provocaria enriquecimento indevido do Erário; a própria não-cumulatividade do ICMS (artigo 155, § 2º, inciso I, da CF), já que a não realização do saldo credor oneraria a cadeia de produção e circulação de mercadorias.
 
Somam-se a tais considerações uma razão adicional referente à não-cumulatividade: como o regime constitucional só prevê uma única exceção à compensação de créditos (artigo 155, § 2º, inciso II, da CF), qual seja, a da isenção ou não-incidência, não pode ser juridicamente válida a invenção da incorporação como mais uma exceção a impedir que os créditos sejam aproveitados.
 
Ademais, a recusa da sucessão ofenderia também o princípio constitucional da legalidade (artigo 5º, inciso II e artigo 150, I, da CF), visto que inexiste norma constitucional, tampouco lei que determine que os créditos sejam simplesmente exterminados em caso de incorporação.
 
Na jurisprudência judicial e administrativa podem ser encontrados precedentes que reforçam a mesma conclusão da nossa breve análise da matéria. Neste sentido, o STJ entendeu: “Tanto o tributo quanto as multas a ele associadas pelo descumprimento da obrigação principal fazem parte do patrimônio (direitos e obrigações) da empresa incorporada que se transfere ao incorporador, de modo que não pode ser cingida a sua cobrança, até porque a sociedade incorporada deixa de ostentar personalidade jurídica.” (STJ, 1ª Seção, EDcl no REsp 923.012 MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 10/04/2013, publ. DJe 24/04/2013).
 
Na seara administrativa, em solução de consulta relativamente recente sobre o tema, a Fazenda do Estado de Santa Catarina lidou com situação muito semelhante. Na ocasião, defendeu que embora os créditos de ICMS não sejam créditos que regularmente compõem o patrimônio da empresa, o aproveitamento dos mesmos pela incorporadora decorre tanto da não-cumulatividade quanto da regra estadual que a obriga a assumir a responsabilidade pelos livros fiscais da incorporada (Comissão Permanente de Assuntos Tributários – COPAT, Consulta 017/2012, elaborado em 04 de abril de 2012, disponibilizado na página da SEF em 10 de maio de 12).
 
Em Minas Gerais, o Conselho de Contribuintes (tribunal administrativo tributário) decidiu pela improcedência de autuação que contestava créditos em cenário de sucessão empresarial por incorporação, reafirmando o alcance da sucessão universal de direitos e obrigações prevista na legislação societária: “... tanto as obrigações são transferidas para a empresa incorporadora, como também os direitos, ou seja, transferem-se ativo e passivo. Logo, a apropriação de saldo credor de ICMS existente na escrita fiscal da empresa incorporada é ato lícito e reflete o aspecto de "continuidade" das atividades da empresa incorporada.” (Câmara Especial, PTA 01.000110339-81, Acórdão 2.043/00/CE, Relatora Cláudia Campos Lopes Lara, publ. 1/4/2000).
 
Por sua vez, o Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), órgão julgador administrativo máximo do Estado de São Paulo, confirmou dois lançamentos tributários tão somente diante da inexistência de comprovação da legitimidade dos créditos por parte da incorporadora — ou seja, reconhece-se a legalidade da transferência de saldo credor da incorporada para a incorporadora (Processo DRT-07 - 970116/2011, AIIM 3159122-0, j. 23/04/2012, publ. 23/04/2012; 14ª Câmara, Processo DRT-06 193685/2010, AIIM 3129026-7, j. 15/12/2010, publ. 08/01/2011).
 
Por fim, ainda na seara administrativa outro precedente é digno de nota. Na Bahia, uma empresa detinha benefício fiscal, e foi incorporada por outra. Houve, então, uma retificação no ato normativo que concedia o benefício, constatando a mudança de titularidade. A fruição do benefício foi considerada legítima pela 1ª Junta de Julgamento Fiscal, porque a retificação tinha efeitos meramente declaratórios, o que reforça a continuidade de direitos e obrigações entre incorporada e incorporadora, já que, se isso inclui benefícios fiscais, deve incluir também o saldo credor de ICMS em geral (1ª Junta de Julgamento Fiscal, AI 108595.0019/12-1, Acórdão JJF 0005-01/13, Rel. José Bizerra Lima Irmão, j. 10/01/2013).
 
Pela análise da legislação e dos precedentes sobre a matéria, é possível entender que, apesar do CTN não dispor expressamente da questão especificamente considerada, a incorporadora tem direito aos créditos acumulados pela incorporada, respeitadas as mesmas condições gerais para o seu aproveitamento, marcadamente sob os seguintes fundamentos: (i) no nível constitucional, em decorrência da não-cumulatividade, capacidade contributiva e vedação de confisco; (ii) no âmbito da legislação federal/complementar, por respeito, sobretudo, aos arts. 1116 do Código Civil e 227 da Lei das S/A e 132 do CTN; (iii) finalmente, também por decorrência de eventuais deveres jurídicos instrumentais de guarda dos livros fiscais da incorporada opostos por cada Estado.
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Empresa de seguro pode deixar de renovar contrato desde que avise cliente

Desde que os clientes sejam notificados com antecedência, a cláusula contratual que prevê que o seguro de vida em grupo não será renovado automaticamente não é abusiva. Dessa forma, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu que a Companhia de Seguros Aliança do Brasil não violou o Código de Defesa do Consumidor nem agiu com abuso ao não renovar apólices coletivas.
 
A decisão foi proferida no julgamento de recursos da Companhia de Seguros Aliança do Brasil, Federação Nacional de Associações Atléticas Banco do Brasil e da Associação Brasileira Beneficente de Assistência, Proteção e Defesa dos Consumidores e Beneficiários de Planos e Apólices de Seguros (Abrasconseg).
 
No contrato firmado entre a empresa e os segurados constava cláusula que possibilitava a sua não renovação por expressa desistência do segurado ou da seguradora, desde que, neste último caso, houvesse comunicação prévia ao segurado no prazo estipulado.
 
Segundo a companhia, foi constatado um desequilíbrio financeiro que poderia levá-la à falência. Por isso, a empresa comunicou com dois meses de antecedência que os contratos não seriam renovados e ofereceu proposta de adesão a um novo produto.
 
Esse argumento foi levado em conta pelo ministro Villas Bôas Cueva, relator do acórdão, segundo o qual, quando houver incompatibilidade entre apólice e reserva financeira, não se pode obrigar a empresa a renovar o contrato, “sob pena de violar o equilíbrio da relação seguradora/segurado”.
 
Ainda de acordo com Cueva, não há como condenar a seguradora a renovar o contrato por tempo indeterminado e sem condição financeira para corresponder à obrigação “simplesmente pelo fato de ser parte mais forte da relação jurídica”.
 
Fonte - Conjur

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Carta de crédito não garante aquisição automática de imóvel

Uma carta de crédito pré-aprovada somente atesta que a pessoa possui crédito pré-aprovado no valor mencionado para a aquisição de imóvel financiado, mas não garante a assinatura do contrato porque a compra de imóvel tem outras etapas. Foi o que decidiu a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) ao negar provimento a apelação que tinha por objetivo obrigar a Caixa Econômica Federal a celebrar um contrato de financiamento imobiliário sob o fundamento de que a entidade havia emitido uma carta de crédito.
 
O autor da ação afirmou que, com a carta de crédito em mãos, apresentou uma proposta para arrematação e aquisição de um imóvel objeto de penhora nos autos de uma execução de título extrajudicial, em curso perante a 22ª Vara Cível de São Paulo, ofertando o valor de R$ 360 mil, a ser pago da seguinte forma: 30% do valor da avaliação à vista e o restante em até 45 dias, apresentando como caução uma carta de crédito emitida pela Caixa no valor de R$ 288 mil.
 
A Caixa alegou que a matrícula do imóvel tinha ônus reais (hipoteca e penhora) e que a aquisição via arrematação judicial é incompatível com o financiamento imobiliário. Isso porque o imóvel financiado é dado como garantia hipotecária à instituição financeira, devendo, portanto, estar livre de ônus.
 
Decisões
A decisão de primeiro grau havia negado a pretensão do autor, com a justificativa de que "a prévia aprovação do limite de crédito imobiliário não confere o direito à sua utilização para a aquisição de qualquer imóvel, mas apenas daquele avaliado e aprovado pelo credor hipotecário".
 
Mas declarou devida a indenização por danos morais, pois "a ré deixou de informar prontamente ao autor da impossibilidade de realizar o negócio pretendido, em razão de o imóvel indicado ser objeto de arrematação judicial, alimentando, por vários meses, falsas e inúteis esperanças na realização de um negócio inviável".
 
O desembargador federal relator Peixoto Júnior manteve a sentença de primeiro grau e declarou que “a recusa da CEF em aceitar o imóvel arrematado como garantia no contrato de financiamento imobiliário mostra-se correta, tendo em vista que a pretensão do autor é tecnicamente inviável".
Porém, quanto ao pagamento de indenização por danos morais, o desembargador foi contrário, afirmando que a demora na apresentação da resposta negativa da Caixa aconteceu devido ao tempo necessário para a análise da documentação e da avaliação do bem, “convindo registrar a peculiaridade do caso concreto” e que “o autor, possuidor de mera carta de crédito, por sua conta e risco apresentou proposta de arrematação de imóvel contando com futura contratação de financiamento imobiliário, que não se confirmou"
 
Fonte - Conjur
 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Portaria da PGE-RS autoriza quitar dívida de contribuinte com precatório

De acordo com a Constituição Federal, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem promover o pagamento dos seus débitos decorrentes de sentenças judiciais condenatórias transitadas em julgado através das ordens judiciais conhecidas como precatórios.
 
Desde meados da década de 1990, muitos Estados e Municípios passaram a descumprir as ordens de pagamento expedidas pelos tribunais pátrios, criando um gigantesco passivo. Só no Rio Grande do Sul, dados do ano de 2012 apontavam um estoque de precatórios não pagos de quase R$ 7 bilhões.
 
Esse cenário gerou movimentos em várias frentes em busca de uma solução. De um lado, o Poder Legislativo editou as Emendas Constitucionais 30/2000 e 62/2009 visando a criar condições para que os entes devedores pudessem quitar seus precatórios (por exemplo, o parcelamento dos débitos em até 10 anos). De outro, os credores passaram a buscar o Poder Judiciário para obter o reconhecimento do seu direito de usarem precatórios vencidos como garantia em execuções fiscais e para a compensação de débitos tributários vincendos.
 
Se as Emendas Constitucionais não tiveram, com relação a maior parte dos entes estatais (à exceção da União Federal) o efeito que com elas se buscava, o mesmo não se pode dizer do resultado do esforço dos credores na busca da satisfação de seus créditos. Mesmo que as decisões judiciais atualmente existentes não pendam em favor dos credores, uma vez que a compensação de precatórios com tributos venha sendo sistematicamente negada e o aceite dos créditos vencidos como garantia em execuções fiscais ainda não seja uma unanimidade em nossos tribunais, pode-se dizer que a intensa luta travada tem gerado importantes reflexos no Poder Executivo.
 
No Rio Grande do Sul, sem muito alarde, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS), com a edição da Portaria 229, passou a autorizar seus procuradores a celebrarem acordos para fins de adjudicação de precatórios penhorados em suas execuções fiscais, por até 50% do valor devidamente atualizado do crédito.
 
Ainda que existam diversas condições a serem cumpridas para a celebração dos acordos (precatórios cedidos até 31 de dezembro de 2013 e penhorados até essa data, regular recolhimento dos tributos estaduais nos últimos 6 meses, etc.), assim como seja elevada a diferença entre o real valor do precatório e aquele que efetivamente poderá ser utilizado (50%), tal medida há de ser comemorada. Trata-se do mais importante e objetivo ato editado sobre o tema desde a publicação da Lei 11.472/2000 (que autorizava a compensação entre precatórios vencidos e tributos vincendos e foi revogada em 2004 e que nunca foi cumprida pelo Estado), eis que sinaliza a disposição do Rio Grande do Sul, através de sua Procuradoria-Geral, de encontrar soluções para a situação de inadimplência que perdura por quase 20 anos.
 
Parece ser um bom negócio quitar dívidas de contribuintes — muitas vezes decorrente de autuações fiscais e não de imposto declarado e simplesmente não pago — com precatórios, seja porque o Estado poderá auferir para si o deságio (ou parte dele) que o mercado vem aplicando, seja porque, mesmo sem deságio, estará o Estado — devedor solvente por definição e natureza — realizando créditos seus de difícil cobrança e que muitas vezes apenas servem para compor dados estatísticos de estoque de dívida, sem representar qualquer receita efetiva.
 
Fonte - Conjur

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Banco é condenado por transferir valores da conta-salário para cobrir débitos

O banco que faz transferências entre contas de um mesmo titular sem seu expresso consentimento causa dano moral na modalidade in re ipsa — ou seja, o cliente lesado não precisa provar que experimentou algum sofrimento pessoal para ter direito à reparação.
 
Ao acolher o entendimento, a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou o Banco Santander a pagar indenização de R$ 5 mil a uma cliente que teve valores de sua conta-salário transferidos de forma unilateral para cobrir o saldo da conta-corrente. O juízo de primeiro grau determinou apenas que o banco não voltasse a fazer transferências deste tipo.
 
O relator que deu provimento à Apelação, desembargador Dilso Domingos Pereira, escreveu no acórdão que a transferência irregular dos recursos privou a parte autora do acesso à sua verba salarial. A decisão do colegiado foi tomada na sessão de 16 de julho.
 
Ação indenizatória

 A autora disse na peça inicial que tem duas contas no Banco Santander, nas modalidades corrente e salário. Mensalmente, seu empregador deposita a remuneração na conta-salário. O banco, entretanto, vem transferindo o dinheiro, sem autorização, para sua a conta-corrente. Ela alegou que a conduta é ilegal, porque transfere o dinheiro a fim de amortizar débitos de contratos entabulados com a financeira.
 
No processo, a autora pediu que a Justiça proibisse o banco de transferir seu salário para a conta-corrente, bem como declarasse ilegal a cláusula contratual que autoriza o repasse de valores para amortizar dívidas. Por fim, pediu indenização por danos morais.
 
O banco, por sua vez, afirmou que a autora pediu que o empregador depositasse os seus salários somente a partir de 26 de março de 2013. E declarou que os descontos efetuados e depositados naquela conta-corrente são devidos em razão de débitos contraídos com a instituição financeira.
 
A sentença

 A juíza Eliane Garcia Nogueira, da 16ª Vara Cível de Porto Alegre, afirmou na sentença que a relação entre os litigantes é regida pelo Código de Defesa do Consumidor e, como tal, cabe a inversão do ônus da prova em desfavor do banco, que é o provedor dos serviços. Este, no entanto, não apresentou em juízo um documento sequer que provasse a autorização para descontos automáticos de salários para abater as dívidas da autora.
 
Assim, a juíza julgou parcialmente procedente a demanda, para o fim exclusivo de determinar ao Santander que se abstenha de fazer transferências automáticas do salário da autora. A reparação moral foi negada sob o argumento de que não ficou configurado dano, mas mero prejuízo econômico, que não repercutiu na esfera da dignidade da pessoa humana. Nessa parte, a sentença foi modificada pela decisão do tribunal.
 
Fonte - Conjur