terça-feira, 29 de abril de 2014

Lei que regula a recuperação judicial apresenta sérias falhas

A lei 11.101/05, quase prestes a completar uma década, segundo entendimento comum, apresenta sérias falhas, as quais comprometem, e muito, o sucesso do plano de recuperação, mantendo estatística de menos de 10% em torno das empresas efetivamente recuperadas.
 
Coube ao legislador, cuja comissão participamos por mais de uma década, sob ingerência do governo, e de órgãos internacionais, o saudoso Osvaldo Biolchi, mapear as coordenadas para votação e aprovação da lei.
 
Naquele cenário no qual se desenvolvia a economia e se gestava sua forma globalizada, já não mais tinha serventia o diploma, Decreto-lei 7.661/45, ousando-se, com alguma timidez, por mais paradoxal que possa parecer, na concepção de uma lei de recuperação sensível à atividade empresarial nacional.
 
Dias atrás, chegou-nos interessante caso, cujo juízo de origem sobrestou, sine die, o andamento da execução singular contra devedores solidários avalistas.
 
Ao ser julgado, por primeiro, monocraticamente, o agravo de instrumento da casa bancária, a ele foi dado parcial provimento, limitando a suspensão das ações e execuções pelo prazo de 180 dias, abrangendo os sócios da sociedade empresária.
 
Evidentemente, toda a jurisprudência nova que busca radiografar o modelo e incursionar pela realidade recebe críticas, o julgamento monocrático favoreceu a recorrente, no propósito de retirar a suspensão indeterminada por aquela determinada.
 
Diversos tribunais estaduais também sustentam, inclusive em maior extensão, a impossibilidade de se promover ações contra os sócios da sociedade empresária.
 
E qual a ratio essendi do sobrestamento contra os sócios?
 
Em primeiro lugar deve se aguardar a elaboração do plano, sua aprovação ou rejeição, para a isonomia entre os credores, caracterizar o estado falimentar, conforme artigo 83 da Lei 11.101/05.
 
Num segundo momento, não se descarta a novação da obrigação e por ela não teria o menor sentido o devedor principal pagar pro solvendo e os sócios garantes solidários pro soluto, entrechoque inadmissível.
 
Não é sem razão também que, ao tempo das execuções singulares, diversos bancos se permitem excutir patrimônio dos sócios, o que sugere e suscita não apenas concurso entre eles, mas, eventualmente, de garantias.
 
A jurisprudência séria é aspergida mediante o conhecimento e o discernimento da pluralidade de casos e da realidade do modelo de recuperação, cuja desconstrução somente é performatada por aqueles que, ao agirem em nome da ciência, defendem interesses corporativos e econômicos ocultados.
 
O modelo de salvamento empresarial nacional é atípico e sui generis, no exterior, no sistema norte-americano, e naquele europeu, qualquer plano já passa pelo aporte financeiro de grandes conglomerados bancários.
 
No Brasil, ao contrário, além dos bancos não injetarem recursos, indo de encontro contra a maré da recuperação, descapitalizam as próprias empresas, sorvendo os recursos dos sócios, criando a perversa lei de Gerson, recuperando créditos e não protegendo a preservação da empresa.
 
Cabe-nos indagar, por fim, se queremos uma legislação séria, uma interpretação coerente, ou apenas preferiremos os interesses egoísticos e superficiais de grupos econômicos, na recuperação de seus créditos, em detrimento do salvamento de empresas, com a palavra a sociedade brasileira.
 
Fonte - Conjur

segunda-feira, 28 de abril de 2014

Retirar execução fiscal do Judiciário não garente eficiência

O debate sobre a eficiência da realização da Dívida Ativa dos entes federativos ultrapassou os limites da relação Fisco x Contribuinte e atingiu a esfera do Poder Judiciário a partir da constatação de que 40% do total de casos pendentes de julgamento em 2012 (64 milhões de processos) são Execuções Fiscais[1].
 
Em um cenário de escassez de recursos humanos, financeiros e de infraestrutura do Poder Judiciário, a alta taxa de congestionamento (relação entre processos existentes e processos finalizados) inseriu o tema no problema da (in)eficácia da prestação jurisdicional[2].
 
Este dado impressionante fortaleceu o argumento dos defensores da desjudicialização da realização da Dívida Ativa e dos instrumentos administrativos de cobrança (protesto da dívida ativa e transferência de atos de execução para a administração pública) como se a ineficiência da realização da dívida ativa fosse resolvida com a retirada dos processos do Judiciário.
 
O Conselho Nacional de Justiça, apesar de não ter assumido posição institucional em relação aos projetos de lei em andamento, incorporou a hipótese (retirada da execução fiscal da esfera do Judiciário) no Relatório Justiça em Números 2013 ao projetar a simulação da taxa de congestionamento sem os processos de execução fiscal:
 
“Apenas como exercício, caso os processos de execução fiscal não estivessem no Poder Judiciário, a taxa de congestionamento mensurada em 69,9% no ano de 2012 cairia 9 pontos percentuais e atingiria o patamar de 60,9%. O indicador de processos baixados por caso novo também sofreria significativa melhora e ultrapassaria os 100%, que é o patamar mínimo desejável para evitar acúmulo de processos. A tramitação processual no ano de 2012, que foi de 92,2 milhões, seria reduzida para 63 milhões de processos.”[3]
 
A tese contida no Relatório é: a desjudicialização da Execução Fiscal melhoraria a eficiência do próprio Judiciário na medida em que reduziria a taxa de congestionamento (processos em estoque sem julgamento) e aumentaria a relação entre casos novos e processos julgados (eficiência na utilização de recursos).
 
Portanto, a retirada dos processos de Execução Fiscal do Judiciário resolveria ao mesmo tempo dois problemas: a ineficiência do Judiciário e a ineficiência na cobrança da Dívida Ativa.
 
Como se vê, a solução apoia-se em duas teses distintas:
 
a) Problema 1: ineficiência da realização da dívida ativa; Tese: a ineficiência da realização da dívida decorre da participação do Judiciário no Processo (Execução Fiscal);
 
b) Problema 2: ineficiência do Judiciário; Tese: a retirada da Execução Fiscal do âmbito do Judiciário melhoraria a eficiência da prestação jurisdicional como um todo (taxa de congestionamento).
 
Embora os problemas sejam notórios e de concordância geral, os dados estatísticos disponíveis no Relatório do Conselho Nacional de Justiça não sustentam as teses propostas e a solução (retirada dos processos do Judiciário) desvia o foco do debate por tomarem como provados os argumentos que deveriam demonstrar (petição de princípio).
 
Em primeiro lugar, não identificamos no relatório a abertura dos motivos para a taxa de congestionamento da Execução Fiscal (em absurdos 89%[4] - de cada 100 casos apenas 11 são finalizados).
 
Qual a composição deste “saldo” de execuções que não chegam a um fim? Quais os valores envolvidos?
 
Qual o percentual de débitos tributários e não-tributários (multas ambientais, PROCON, BACEN, etc.)? Nos débitos tributários, quais são os tributos? Qual o percentual de débitos Municipais, Estaduais e Federais? Tais questões assumem papel relevante na medida em que 87,23% dos processos congestionados estão na Justiça Estadual[5] que cuida da dívida ativa dos Estados e Municípios.
 
Quais os principais “clientes” do Poder Judiciário nestes processos (devedor e credor)?
 
O processo não é finalizado porque o devedor não é localizado, não possui bens ou porque há discussão pendente em Embargos à Execução ou Exceção de Pré-executividade?
 
O título executivo é bom? O crédito é bom?
 
Quantas destas execuções foram embargadas?
 
Há prescrição?
 
Estas respostas contribuirão para mapear as causas da ineficiência e permitirão a escolha de soluções para a melhoria do funcionamento do sistema.
 
Em nossa experiência, nos deparamos com situações que levantam algumas hipóteses que merecem atenção:
 
i) Existem muitos processos de Execução que poderiam ser reunidos: Apenas para ilustrar, podemos mencionar o caso de determinada empresa que possui centenas de execuções de IPVA (parcelas ou exercícios) apoiadas na inconstitucionalidade da legislação paulista (ou seja, não se trata de falta injustificada de pagamento, ocultação do devedor ou falta de bens, mas de exercício legítimo de discussão de cobrança de débito inconstitucional).
 
Embora seja o mesmo tema entre as mesmas partes, cada exercício (ou parcela) é constituído em uma Certidão de Dívida Ativa (CDA) que se desdobra em uma execução fiscal.
 
A empresa tentou a reunião das execuções para tramitação conjunta em um único feito (o que economizaria a máquina do Judiciário) mas a Procuradoria não aceitou e o Judiciário também não sob a alegação de que embora a Lei de Execuções Fiscais permita a reunião de forma expressa (artigo 28, caput), esta é faculdade do Juízo que pode recusá-la por questões de praticidade.
 
ii) Existem muitas execuções de valores baixos: Principalmente na esfera municipal (5,5 mil municípios emitindo suas próprias Certidões de Dívida Ativa) são propostas execuções de valores baixos (menos que R$ 3 mil) e irrisórios (há execuções de algumas centenas de reais) que não justificam a movimentação do Poder Judiciário. Tais casos são colocados “no fim da fila” e acumulam um saldo que muitas vezes já está prescrito ou é incobrável;
 
iii) Deficiências de formação do título: Principalmente no âmbito municipal (e vale lembrar os mais de 5,5 mil municípios) são formadas CDAs com dados cadastrais incorretos (endereço desatualizado) ou insuficientes (ausência de dados do devedor, etc.) que impedem o andamento do caso. Em muitos casos, o devedor não é localizado por erro no título executivo e não porque se esconde. Esta situação é agravada pelo privilégio de tratamento que o Fisco possui no processo de Execução Fiscal previsto na Lei 6.830/1980 e uma alternativa que poderia colaborar para a solução do problema seria a submissão da cobrança ao procedimento de Execução comum regulado pelo Código de Processo Civil como proposto por Renato Lopes Becho[6];
 
iv) Ausência de integração entre a(s) Procuradoria(s) e a(s) Secretaria(s) da Fazenda: em todo nível de governo (Federal, Estadual e Municipal) o órgão que constitui o crédito (Secretaria da Fazenda) não é o mesmo que promove a inscrição em dívida e a cobrança em Juízo e em muitos deles há Procuradorias diferentes para a execução e a ação ordinária (declaratória ou anulatória, por exemplo). Essa divisão é agravada pela ausência de comunicação entre os órgãos que acarreta, entre outros problemas, o ajuizamento de Execuções de débitos pagos (a Receita não informa o pagamento à Procuradoria), com exigibilidade suspensa em outro processo (ação ordinária, por exemplo), ou a constituição de novos débitos e encaminhamento para execução em relação a dívidas já reconhecidas como indevidas (por exemplo, execução de IPTU em relação a antigo proprietário apesar de decisão proferida em processo relativo a exercício anterior ter reconhecido que o imóvel já não lhe pertencia);
 
v) O custo de transação para o Credor é muito baixo: nos casos em que a Execução é indevida a condenação em honorários do Poder Público (Municipal, Estadual e Federal) é arbitrada em valores irrisórios que acabam por desestimular a avaliação criteriosa que deveria acompanhar cada ajuizamento. O custo para o devedor, por outro lado, é desproporcionalmente maior porque mesmo quando ganha, precisa contratar advogado (que não é remunerado pela sucumbência) para defender-se e para afastar os efeitos danosos da pendência do débito (que impede sua certidão de regularidade fiscal), precisa oferecer garantia a um custo que não é ressarcido pelo credor perdedor[7].
 
Estes fatos demonstram que a ineficiência na realização da dívida ativa tributária não decorre necessariamente da participação do Judiciário, mas da sua má utilização.
 
Portanto, a retirada da Execução Fiscal deste Poder não garante que a realização da Dívida Ativa será mais eficiente.
 
Ademais, tal medida também não garante que o Judiciário passaria a ser mais eficiente.
 
Primeiro, porque o indicador de produtividade (total de baixados x entrados no mesmo ano) dos magistrados na Execução Fiscal é de 85,1%[8] e o percentual de execuções fiscais em relação ao total de casos novos é de 13% (embora o estoque seja equivalente a 40% do total);
 
Segundo, porque se retirada a Execução Fiscal a Taxa de Congestionamento do Judiciário (Geral) recuaria de 69,9% para 60,9%[9]. Uma redução apoiada em processos de estoque e não em casos novos;
 
Terceiro, porque não foi mensurada a migração das discussões para outros meios processuais (mandado de segurança, ordinárias, cautelares, etc.), ou seja, não há elementos para se afirmar que esta melhora de eficiência (13% na redução de Taxa de Congestionamento com a saída do estoque) não seria absorvida (ou até mesmo superada) por novas demandas que envolveriam a discussão do crédito tributário com apoio na garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição[10].
 
Para que possamos enfrentar a notória ineficiência da realização da Dívida Ativa e do Poder Judiciário, portanto, é fundamental identificarmos as causas que comprometem o bom funcionamento da máquina Judicial para que a solução aplicada não desperdice mais uma vez a oportunidade de melhorar nossas instituições e principalmente, não frustre os cidadãos com uma mudança feita apenas para melhorar as estatísticas que como diz o ditado popular são mais interessantes pelo que escondem do que pelo que mostram.
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Decisão do STJ sobre expurgos inflacionários é equivocada

 
O presente artigo tem como escopo discutir a decisão proferida pelo Ministro Relator Luis Felipe Salomão nos autos do Recurso Especial 1.348.412-DF, particularmente no que atine à incidência de juros moratórios no cumprimento de sentença coletiva. No caso em concreto, o Banco do Brasil foi condenado a ressarcir os poupadores que sofreram perdas com os expurgos inflacionários, e segundo o ministro, em inovação jurisprudencial, os juros moratórios deveriam incidir somente a partir da intimação para cumprimento do julgado.
 
Pretende-se demonstrar que a decisão é equivocada, tanto sob a ótica da melhor técnica processual, quanto se considerarmos os escopos do processo coletivo, em especial, no que atine à tentativa de evitar que milhões de processos sobre a mesma matéria inundem os Tribunais (com risco de decisões conflitantes), enquanto o dano pode ser reparado para todos mediante uma única decisão coletiva.
De fato, em casos como o do Recurso Especial citado, em que as perdas atingiram milhões de poupadores em todo o país, o ajuizamento de ações individuais importa não só em um aumento excessivo do número de processos nos Tribunais, como também no risco da existência de decisões conflitantes para pessoas que estão em situações idênticas de fato e direito, o que só aumenta o descrédito do Poder Judiciário.
 
Importante salientar que a vítima do dano coletivo, conforme inteligência do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, possui a prerrogativa de ter seu direito defendido em juízo de forma individual ou a título coletivo, não impedindo o ajuizamento de ação coletiva que cada lesado procure o Poder Judiciário de forma individual.
 
Ademais, sabe-se que
a atividade econômica moderna, corolário do desenvolvimento do sistema de produção e distribuição em série de bens, conduziu à insuficiência do Judiciário para atender um número crescente de feitos que, no mais das vezes, repetem situações pessoais idênticas, acarretando a tramitação paralela de significativo número de ações coincidentes em seu objeto e na razão de seu ajuizamento.[1] 
Segundo Cambi, a existência de [2] 
Mais bens sujeitos e status aos indivíduos, associados aos novos problemas do capitalismo moderno e da vida em uma sociedade urbana de massas (poluição, produção em série, crescimento desenfreado das cidades, etc) demandaram outros mecanismos de tutela mais adequados à sua efetivação. Logo a partir da categorização dos direitos ou interesses transindividuais, os clássicos instrumentos processuais, pensados para a proteção dos direitos subjetivos, precisaram ser repensados. 
E exatamente essa explosão de conflitos em uma sociedade massificada que induziu o surgimento do sistema das ações coletivas (Ação Civil Pública, Ação Coletiva, Ação Popular, etc.), visando proporcionar a proteção dos direitos de forma ampla, em contraponto à concepção excessivamente liberal, individualista, que inspirou o nosso Código de Processo Civil vigente.
 
A ação coletiva, além de proporcionar um desafogo ao Poder Judiciário, mediante a redução do número de demandas propostas, garante a preservação da segurança jurídica, evitando que ações individuais tenham decisões conflitantes.
 
E a grande questão, quando se discute o termo inicial de incidência de juros moratórios decorrente de condenação em ação coletiva, é a possibilidade de, a partir da uniformização da jurisprudência, a tutela coletiva corre o risco de perder força e credibilidade, fazendo com que as ações coletivas caiam em desuso em contraponto ao ajuizamento de milhões de processos.
 
E a lógica é extremamente simples.
 
A título de exemplo: determinado banco cobra de seus correntistas uma taxa não prevista em lei ou regulamento do Banco Central, durante vários anos, sem que a maioria dos clientes perceba, gerando dano a milhões de pessoas em todo o país.
 
Enquanto determinada associação de defesa de consumidores ingressa com ação coletiva objetivando a restituição em dobro desses valores, será que cada consumidor irá aguardar o desfecho da ação coletiva (que pode durar anos)? Ou simplesmente ajuizar ação individual para garantir que, a partir da citação do banco, incidam os juros moratórios?
 
A resposta é óbvia e, mais, cada advogado deverá instruir seu cliente a ingressar com a ação individual, para que não abra mão dos juros moratórios a que faz jus.
 
Como se vê, em caso de uniformização do entendimento utilizado pelo ministro Luis Felipe Salomão, o futuro das ações coletivas está severamente ameaçado.
 
E em sua decisão, após ironicamente discorrer sobre a importância da ação civil pública na sociedade moderna, o ministro Luis Felipe Salomão menciona os artigos 95[3] e 97[4] do Código de Defesa do Consumidor, 219[5] e 475-A[6] do Código de processo Civil e 397 do Código Civil[7] como justificativas para incidência dos juros somente a partir da ação individual.
 
Segundo o ministro, a sentença proferida na ação civil pública é, em regra, genérica, não só em relação aos valores a serem pagos, mas também, quanto aos titulares do direito de crédito.
 
Em se tratando a ação promovida pelo IDEC de ação civil pública que versou sobre direito individual homogêneo, não há como concordar com o ministro, visto que a condenação beneficiou todos os poupadores que possuíam caderneta de poupança nos bancos demandados no período do respectivo plano econômico e, assim sendo, os titulares do direito são determináveis e a obrigação é plenamente divisível.
 
É evidente que a obrigação fixada é genérica no que atine aos valores, porém isso não impedia o Banco de cumprir voluntariamente o julgado.
 
Mesmo porque sequer é necessário o ajuizamento de incidente de liquidação, pois diante dos parâmetros fixados na decisão da ação coletiva, basta ao poupador ou ao Banco a realização de mero cálculo aritmético para apuração da quantia devida.
 
Em suma, de posse da decisão da ação coletiva, não é necessário ao poupador o ajuizamento de ação de liquidação, pois, ao contrário do que afirma o ministro, o titular do crédito é certo (e se prova mediante simples juntada de extrato da época), e a quantia devida depende de simples cálculo aritmético, conforme reiteradas decisões jurisprudenciais[8].
 
Portanto, ao contrário do defendido pelo ministro, não é somente com a liquidação que o titular do direito está identificado, mas sim, desde o momento em que a ação coletiva foi ajuizada, pois em se tratando de direito individual homogêneo, os titulares são plenamente identificáveis.
Ainda, ao tratar especificamente da mora, o ministro refere somente estaria configurada com o citação no processo individual, pois até então a obrigação era ilíquida quanto ao valor e incerta quanto aos titulares.
 
Ocorre que o ministro deixa de considerar que a ação individual proposta não se trata de procedimento de liquidação de sentença, mas sim, pedido de cumprimento de sentença, pois, como venho reiterando, o titular do crédito já está identificado e a quantia devida se apurou mediante cálculo aritmético[9].
 
Como então aceitar que os juros corram a partir da intimação para cumprimento da sentença se não há previsão para citação nesse procedimento? O que ocorre é a mera intimação do devedor para que cumpra o teor da decisão da ação coletiva, que já deveria ter sido cumprido voluntariamente diante da condenação, e cuja mora já havia se constituído quando da citação na ação cognitiva, conforme inteligência do citado artigo 219 do Código de Processo Civil.
 
Para ilustrar, quando da condenação, ainda no ano de 2009, o Banco poderia ter simplesmente conferido seus arquivos e, diante da obrigação imposta, efetuar o pagamento da correção devida a todos os poupadores que possuíam poupança no período mencionado da sentença. Em suma, o banco já havia sido advertido de sua obrigação (essência da mora), sendo completamente desnecessária nova interpelação.
 
Portanto, por qualquer ângulo que se examine a questão, constata-se que a manutenção do entendimento adotado pelo ministro Luis Felipe Salomão é totalmente equivocada. Primeiro, pois inexiste citação no procedimento de cumprimento de sentença e, sendo os beneficiários do direito certos e determinados, cumpria ao banco o cumprimento da decisão quando do trânsito em julgado da ação coletiva. Ainda, nota-se que esse entendimento, além de semear a insegurança jurídica, tende a fulminar o futuro das ações coletivas, resultando no ajuizamento de milhões de demandas, na hipótese de ocorrência de dano similar, de caráter coletivo.

[1]    CUNHA, Leonardo José Carneiro Da. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 784, p. 68-82, fev. 2001. p.69.
 
[2]    CAMBI, Eduardo. Ação Civil Pública – 20 anos – Novos Desafios. Disponível em <<http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Eduardo%20Cambi%20-%20formatado.pdf>> acessado em 10/4/2014.
 
[3]    Artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor. Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados;
 
[4]    Artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor. A liquidação e a execução de sentença poderão ser promovidos pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados de que trata o art. 82.
 
[5]    Artigo 219 do Código de Processo Civil. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.  § 1º. A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação. § 2º   Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário. § 3º   Não sendo citado o réu, o juiz prorrogará o prazo até o máximo de 90 (noventa) dias. § 4º Não se efetuando a citação nos prazos mencionados nos parágrafos antecedentes, haver-se-á por não interrompida a prescrição. § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição. § 6o Passada em julgado a sentença, a que se refere o parágrafo anterior, o escrivão comunicará ao réu o resultado do julgamento.
 
[6]    Artigo 475-A do Código de Processo Civil. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação. § 1º. Do requerimento de liquidação de sentença será a parte intimada, na pessoa de seu advogado. § 2º A liquidação poderá ser requerida na pendência de recurso, processando-se em autos apartados, no juízo de origem, cumprindo ao liquidante instruir o pedido com cópias das peças processuais pertinentes.  § 3º Nos processos sob procedimento comum sumário, referidos no art. 275, inciso II, alíneas ‘d’ e ‘e’ desta Lei, é defesa a sentença ilíquida, cumprindo ao juiz, se for o caso, fixar de plano, a seu prudente critério, o valor devido.
 
[7]    Artigo 397 do Código Civil. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.
 
[8]    A título de exemplo: AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. AÇÃO COLETIVA. INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (IDEC). [...] 7. Liquidação de sentença. Prescinde de prévia liquidação de sentença a execução de título executivo que fixou o percentual dos rendimentos expurgados da remuneração das cadernetas de poupança, além da inicial executiva anexar os extratos bancários necessários para aferição do débito. Apuração da dívida é de fácil confecção, eis que o Tribunal de Justiça institui o simulador de cálculo que é de extrema confiabilidade e praticidade. Mera operação aritmética que afasta a iliquidez do título. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA, NEGADO SEGUIMENTO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70057929614, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudemir José Colin Missaggia, Julgado em 20/12/2013) (grifei)
 
[9]    Artigo 475-B do Código de Processo Civil. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo. 
 
Fonte - Conjur

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Atraso no Judiciário é falta de democratização

Por uma timidez inexplicável e comprometedora, o Judiciário vive o anacronismo entre direitos e avanços conquistados na Constituição de 1988 e a esdrúxula convivência com uma lei que regula seu funcionamento (Lei Orgânica 35/1979), criada na ditadura.
 
Admitir a permanência dessa incompatibilidade é continuar convivendo, passiva e omissivamente, com o atraso. As autonomias administrativas e financeiras previstas na Carta Magna, e reiteradas na EC 45 (reforma do Judiciário), são para valer, mas só terão eficácia se os tribunais resolverem, corajosamente, colocá-las em prática.
 
É igualmente inaceitável que os tribunais continuem a reboque do Conselho Nacional de Justiça. Além de expor o Judiciário em constantes situações de fragilidade e desprestígio, o CNJ, agora, está prestes a editar resolução, que determinará aos tribunais a inclusão obrigatória da participação dos juízes de primeira instância em todos os debates e comissões que tratem da vida e sobrevivência do Poder — do planejamento à gestão e resultados da atividade judiciária.
 
A toda evidência, mais uma vez, por omissão, o Judiciário receberá outra ordem, de cima para baixo. Tudo isso porque não teve a lucidez e o compromisso de colocar em prática as autonomias administrativas e financeiras de que é detentor. É inexplicável, por exemplo, que os tribunais se neguem a adotar efetiva democratização, com adoção de eleições diretas para os cargos diretivos. O exercício da democracia, especialmente para o âmbito do Judiciário, é tarefa para aqueles que não temem a submissão de suas ações ao crivo do juízo de valor de desembargadores e juízes indistintamente.
 
Abrir o tribunal, com a possibilidade de eleição de todos os desembargadores para os cargos diretivos e com o voto de todos os juízes, seria avanço histórico capaz de nos contextualizar aos tempos de pós-modernidade e representaria opção refletida e consciente de sobrevivência democrática com eficiência. Se não agirmos assim, estaremos, cada vez mais, fadados ao enfraquecimento e desprestígio de nosso Judiciário.
 
Sintonizados com esse tempo, os juízes mineiros aprovaram, em histórica assembleia, em agosto de 2013, provocar o Tribunal de Justiça de Minas (TJ-MG) para esse debate democrático sobre as eleições diretas. O protagonismo histórico desse importante momento deve ser tributado unicamente aos juízes. Diante disso, no último dia 17 de março, em um avanço importante, ainda que parcial, o TJ-MG ampliou a elegibilidade a todos os desembargadores, mas negou o voto aos juízes.
 
São inconsistentes e frágeis os argumentos de que a democratização depende de alterações constitucional e legal. Pensar assim, com a devida vênia, é desconhecer e desprezar as autonomias administrativas e financeiras dos tribunais estaduais. Mais fraco ainda é o argumento de que a democratização interna vivenciada pelo Ministério Público, com eleições diretas, representou retrocesso e trouxe desorganização político-institucional.
 
Ao contrário, o Ministério Público, diferentemente do Judiciário, cuidou de fazer sua lei orgânica e garantiu, assim, as conquistas previstas na Constituição. Amadureceu e se fortaleceu enquanto instituição. Debatem, democraticamente, por ocasião das eleições, mas, passado o pleito, unem-se e defendem, ardorosamente, a instituição e sua missão constitucional.
 
De outro lado, não é minimamente razoável tirar do juiz de primeira instância o direito à participação integral nas atividades de gestão do Judiciário, quando se sabe que são eles os responsáveis por 85% de toda a demanda judicial. Se não tivermos a grandeza cívica e visão orgânica responsável do Poder Judiciário para reconhecer isso, com a participação direta dos juízes nas eleições das mesas diretivas dos tribunais, mais uma vez, receberemos, de forma subserviente e sem direito a esperneios, da parte do CNJ, a ordem nesse sentido.
 
Depois, não haverá mais nada a fazer, a não ser reconhecer a nova realidade e a importância da democratização.
 
 
Fonte - Conjur

terça-feira, 22 de abril de 2014

Banco de dados de DNA pode facilitar ações de paternidade

O perfil genético de uma pessoa pode ser armazenado em base de dados para a identificação do DNA, a permitir uma tecnologia automatizada de reconhecimento por marcadores digitais, facilitando o encontro familiar entre pais e filhos biológicos, crianças roubadas, e mais ainda, soluções imediatas nas investigações criminais?
 
A resposta sugere aplicar técnicas de biometria como sistema de leitura da pessoa, a exemplo das impressões digitais, reconhecimento da face, identificação pela íris e os reconhecimentos pela retina, voz ou assinatura e outros, sendo certo que o primeiro sistema — em que as digitais gravadas tem suas imagens armazenadas em banco de dados para futura comparação por leitores biométricos ópticos — tem agora sua utilização na justiça eleitoral.
 
A biometria significa, antes de mais, a medida da vida (do grego, bios – vida, metron – medida: bio + metria), afigurando-se compreensível, por essência das coisas, que a identificação pelo DNA possa ser havida como uma tecnologia biométrica de reconhecimento, factível a permitir, com notável e amplo espectro, uma base de dados de genéticos.
 
Em menos palavras, um banco de dados de perfis genéticos, contribuindo para uma abreviada identificação de paternidade/maternidade, ou o resgate de bebês roubados e parentes desaparecidos, quando em todas as hipóteses, a família se recompõe, por inteiro, em suas origens e configurações. Essa recomposição deve ser reconhecida como elemento marcante de dignidade, em direitos fundamentais de primeira ordem.
 
Em condução proativa do tema, tomemos, então, exemplo de uma região comunitária, de um determinado “habitat”, onde todos os nascidos tenham, a par da identificação do tipo sanguíneo e do fator Rh, as marcações digitais do DNA desde logo armazenadas em bases de dados para efeito de futuras comparações de compatibilidade genética.
 
A propósito, em nosso país, o artigo 2º da Lei 9.049/1995 dispõe que “poderão, também, ser incluídas na Cédula de Identidade, a pedido do titular, informações sucintas sobre o tipo sangüíneo, a disposição de doar órgãos em caso de morte e condições particulares de saúde cuja divulgação possa contribuir para preservar a saúde ou salvar a vida do titular”. Nessa toada, diversas leis estaduais tornaram obrigatória a inclusão dos dados.
 
Pois bem. Em ser assim, tal comunidade — diremos a de Pasárgada — disporá, então, de amostras do ser humano de cada habitante seu, a nível genético — marcadores do DNA —, com tecnologia suficiente a permitir, como aliás a biometria já controla, a mensuração unívoca da pessoa, no alcance de não apenas distingui-la mas a de compara-la com outrem, no plano parental da consanguinidade.
Bem é dizer, como sucede, hoje, em nosso país, no atinente às bases de dados de impressões digitais, que a utilização da biometria possa ser estendida aos marcadores genéticos em identificação da pessoa.
 
Não custa lembrar que, do mesmo modo que a classificação dos tipos de impressão digital, nas suas linhas, curvas e espirais, feita pelo antropólogo inglês Francis Galton (1892) vigora até hoje, o DNA (ácido desoxirribonucleico) como espiral da vida, na sua forma de dupla hélice, em espiral, descrito por James Watson e Francis Crick (1953), vigora determinante e definitivo como código digital genético, a também individualizar a pessoa.
 
Ora. A biometria tem servido a controles de ponto, regulação de acesso, identificações criminais e agora, ao serviço eleitoral, utilizando os padrões pessoais, sem que isso tenha maiores implicações éticas de uma sociedade vigiada. Aeroportos britânicos tem usado o “scan facial” para identificação de passageiros. A policia federal americana (FBI) tem base de dados com mais de duzentos milhões de impressões digitais.
 
A mesma tecnologia avançada para a identificação pessoal leva a considerar pela conveniência, adequação e oportunidade do uso biométrico às análises do DNA. O registro dos dados de DNA constituirá, sem dúvida, uma fonte de informação indispensável às soluções mais urgentes de interesse público, a saber, nomeadamente, da jurisdição de família, quando em averiguações judiciais de paternidades sonegadas. Noutro ponto, na procura e identificação de pessoas, em liames parentais recompostos.
 
Dito isto, afirme-se ainda que tal premissa não é mais algo a perseverar por um admirável mundo novo. Na Espanha, comunidades como que as que se estendem pela Catalunhaa e Andaluzia, ou mais especificadamente a de Valencia, tem sido beneficiadas pela genética, na identificação de filhos desaparecidos, a partir de uma base de dados de perfis genéticos.
 
O jornal “El País”, de Madrid, na sua edição de 16 de março, refere em matéria jornalística de Lorena Bustabad (pag. 42), ao trabalho desenvolvido pela empresa “Neodiagnostica SL”, sediada em Lleida e com delegações em Madrid, Barcelona, Valencia e Sevilha. Ela dispõe do maior banco de perfis genéticos para os casos de bebês roubados na Espanha (quase 2 mil), contribuindo para as análises comparativas de DNA. 16 casos foram exitosos.
 
Lado outro, anota-se a existência, nos Estados Unidos, de um banco nacional de DNA, chamado Codis, que reúne amostras coletadas de DNA, em idêntico nível de coleta de impressões digitais. Assim, amostras de DNA desconhecido encontrado em uma cena de crime, poderão ser comparadas com as catalogadas no banco. No ponto, uma nova lei americana possibilita a coleta de DNA de pessoas presas por crimes federais, antes mesmo de qualquer julgamento, ou de imigrantes ilegais detidos, na formação do banco de dados genéticos.
 
Possível a identificação criminal incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético, como em nosso pais a Lei 12.654/2012 a autoriza — prevendo inclusive queos dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal” (“Banco Nacional de Perfis Genéticos”) —, impõe-se pensar em novas bases de dados de DNA destinadas a outras legitimas finalidades. Quem sabe, um “Sistema Índice de DNA Nacional”, agora em modelo de direitos fundamentais da dignidade.
 
Como se disse alhures, “o corpo é a senha”. Um banco de dados de DNA poderá ser também a senha para uma nova cidadania, a que identifique, principalmente, pais e filhos, em um clique de mouse, cumprindo as garantias de dignidade que os avanços tecnológicos estão a permitir.

Fonte - Conjur

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Saldo de previdência é impenhorável se for para subsistência

Se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo de previdência privada complementar para a subsistência do participante e de sua família, estará caracterizada a sua natureza alimentar e, portanto, a impenhorabilidade dos valores. Este foi o entendimento majoritário da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que pacificou tese sobre o tema. 
 
A relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou desproporcional a indisponibilidade imposta ao ex-diretor do Banco Santos Ricardo Ancêde Gribel. Com a decisão, foi determinado o desbloqueio do saldo existente em seu fundo de previdência privada complementar. 
 
Gribel presidiu o Banco Santos por 52 dias, a partir de 11 de junho de 2004. Com a intervenção decretada pelo Banco Central em novembro de 2004 — sucedida pela liquidação e, depois, pela falência —, Gribel e os demais ex-administradores tiveram todos os seus bens colocados em indisponibilidade, conforme determina a Lei 6.024/74. 
 
Divergência
Em 2005, após ter o desbloqueio negado na via administrativa, Gribel pediu ao juízo da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo — onde tramita Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público, sucedido pela Massa Falida do Banco Santos — o levantamento dos valores mantidos sob indisponibilidade relativos a plano de previdência privada complementar. 
 
O pedido foi negado. O ex-diretor recorreu ao tribunal estadual, por meio de agravo, mas o pedido foi novamente negado. No STJ, o recurso especial foi rejeitado pela 4ª Turma, por maioria, ao fundamento de que o saldo de depósito em Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) não ostenta caráter alimentar e, portanto, é suscetível de penhora. 
 
Gribel, então, apresentou embargos de divergência no STJ para que a questão fosse levada a julgamento na Segunda Seção, composta pelos ministros da 3ª e da 4ª Turmas, órgãos que analisam matéria de direito privado. Ele citou julgamento da 3ª Turma (REsp 1.012.915), que reconheceu a impenhorabilidade dos fundos de previdência privada, “seja porque possuem natureza de pecúlio, seja porque deles resultam os proventos de aposentadoria”. 
 
Reserva financeira
Na aplicação em PGBL, o participante faz depósitos periódicos, os quais são aplicados e transformam-se em uma reserva financeira, que poderá ser por ele antecipadamente resgatada ou recebida em data definida, seja em única parcela, seja por meio de depósitos mensais. 
Ao analisar o caso na Segunda Seção, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que o participante adere a esse tipo de contrato com o intuito de resguardar o próprio futuro ou o de seus beneficiários, garantindo o recebimento de certa quantia, que julga suficiente para a manutenção futura do padrão de vida. 
 
Assim, para a ministra, a faculdade de resgate das contribuições não afasta a natureza essencialmente previdenciária — e, portanto, alimentar — do saldo existente naquele fundo. “A mesma razão que protege os proventos advindos da aposentadoria privada deve valer para a reserva financeira que visa justamente assegurá-los, sob pena de se tornar inócua a própria garantia da impenhorabilidade daqueles proventos”, afirmou a ministra. 
No entanto, a ministra Andrighi advertiu que a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de previdência privada complementar deve ser avaliada pelo juiz caso a caso, de modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo para a subsistência do participante e de sua família, estará caracterizada a natureza alimentar. 
 
Impenhorabilidade absoluta
 O julgamento ficou empatado e foi definido pelo presidente da 2ª Seção. Em voto-vista, o ministro Luis Felipe Salomão afirmou que não concorda com a penhora dos valores sem qualquer exame dos fatos pelo juiz, do mesmo modo que não defende a sua impenhorabilidade absoluta. Ele considerou o caso julgado peculiar, a ponto de justificar a flexibilização da regra da indisponibilidade, reconhecidamente rígida. 
 
Salomão observou que o ex-diretor do Banco Santos, aos 70 anos, está impedido de exercer qualquer cargo em instituições financeiras. Observou também que os recursos do fundo de previdência foram depositados ao longo de 20 anos, antes de Gribel entrar na diretoria do banco. Isso, no entender do ministro, demonstra a intenção de ter os recursos como alimentos futuros, não como mera aplicação financeira. 
 
“A questão relativa à impenhorabilidade, obviamente decorrente da natureza alimentar do capital acumulado no plano de previdência, deve ser aferida pelo juízo mediante análise das provas trazidas aos autos, tendentes a demonstrar a necessidade financeira para a subsistência da parte, de acordo com as suas especificidades”, concluiu. 
 
A seção, por maioria, determinou o desbloqueio do saldo existente em fundo de previdência privada complementar. Além do ministro Salomão, acompanharam a relatora os ministros João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Antonio Carlos Ferreira. Votaram vencidos os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
EREsp 1.121.719

Fonte - Conjur

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Mercado de loteamento deve adotar soluções mais seguras

Nas operações negociais entre proprietário de imóvel e empreendedor, que pretendem realizar loteamento ou incorporação imobiliária, têm ocorrido alguns obstáculos. Há dificuldades para conciliar interesses de ressalva e resguardo de garantia do direito do proprietário e as necessidades do empreendedor que pretende ter a disponibilidade do imóvel sem antes ter executado sua parte no empreendimento. Ou ainda: de este querer uma estrutura que lhe confira um melhor tratamento tributário.
 
Em situação de excesso de confiança da contraparte, há proprietários que ajustam contratos de parceria com prestadores de execução de loteamento, os quais se destacam por expertise no campo da realização de todas as tarefas. Essas tarefas legalmente competem ao proprietário do imóvel. A ideia da “parceria” é garantir a aplicação da disciplina tributária da “Parceria” prevista no Parecer Normativo CST 15/1984.
 
Sob esse regime tributário, o executor efetua os serviços beneficiados pelas vantagens fiscais da parceria, que não alcança a pura “prestação de serviços” de realização de empreendimento.
 
O proprietário acredita que o executor dos serviços o faça pelo interesse que ambos têm. Mas, frente a terceiros, o proprietário, como “dono do loteamento”, é o responsável perante os promitentes adquirentes de lotes, o Poder Público, as autoridades ambientais e o Ministério Público.
 
O fato de poderem os proprietários transferir o imóvel para uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), a título de integralização de capital, não exime de responsabilidades a SPE. Mas libera o proprietário, desde que o mesmo não participe da administração da mesma, ou se participar não cometa atos violadores da lei ou do instrumento societário. De toda forma, a transferência imobiliária acarreta vantagens tributárias para a sociedade ao ser tributada em percentual benéfico.
 
Dentre estas vantagens, destaca-se a possibilidade de opção pelo regime de apuração de imposto de renda pelo lucro presumido, o que leva a uma carga tributária efetiva de 6,73% sobre a receita (considerando os tributos diretos federais, IRPJ CSLL, COFINS e PIS) com percentual menor - 6,73-%) em vez de 48,25% sobre a receita no regime do lucro real. Esta vantagem sobrevive mesmo considerando o ônus de pagamento do ITBI ou de ganho de capital que pode ocorrer na conferência do imóvel para a SPE.
 
Esta matéria sobre lucros na transferência imobiliária sempre merece cuidados especiais para não se antecipar recolhimento de tributos sobre resultados apenas esperados, mas ainda não ocorridos.
Em outros casos, proprietários, já mais atentos aos eventuais riscos de descumprimento de obrigações do executor efetivo do loteamento, ou seja, do empreendedor de fato, passam a exigir deste a garantia hipotecária instituída sobre outros imóveis, que possam representar o valor das obrigações a serem cumpridas. Ou ainda: seguro de “performance” ou “cambial” com garantia bancária. Enfim, obrigações colaterais de garantia para assegurar, em princípio, um direito de regresso contra as consequências de inadimplemento do executor do loteamento.
 
Outros ainda resolvem alienar o terreno ao empreendedor que não pagará em moeda e à vista o preço da compra da área bruta, mas de outra forma como, por exemplo, com a emissão de nota promissória em caráter “pro soluto” pelo executor do loteamento como pagamento do preço nessa operação. Realiza, imediata e subsequentemente, uma novação por meio da qual a obrigação de pagamento da nota promissória é substituída por outra dívida.
 
Outra alternativa utilizada como meio de pagamento é a cessão de futuros recebíveis das vendas ou do resultado de um VGV (Valor Geral de Vendas) pré-fixado, com garantias, ou até mesmo sem elas. Este expediente assegura ao proprietário o distanciamento do litígio que terceiros possam vir a ter quanto a inadimplemento de obrigação cabível ao empreendedor, mas, não garante ao proprietário que transmitiu o imóvel, a certeza quanto ao inadimplemento da obrigação substituída.
 
Mesmos procedimentos vêm sendo aplicados às incorporações da Lei 4.591/1964. Porém, com as vantagens de outras nuances como, por exemplo, serem repassadas aos subscritores de unidades responsabilidades originais assumidas pela incorporadora frente ao proprietário. Ou ainda: ser ajustada a incorporação como “patrimônio de afetação”, o que minimiza o risco mas não exclui o proprietário ou a SPE, a quem transferiu o terreno, ao seu envolvimento no descumprimento do empreendedor, nas hipóteses em que o proprietário participa da administração da SPE e não atenta para o cumprimento das obrigações da sociedade.
 
Embora haja no mercado bom número de executores de loteamentos (parceiros) com grande competência e eficiência de resultados, que podem e, de fato, minimizam riscos ao proprietário da área de seus cuidados ou de preocupação de insucesso e de consequências práticas de envolvimento no negócio imobiliário, na verdade, isto não garante o que todos desejam: que a posição do proprietário, que colocou seu terreno no empreendimento, tenha a segurança de receber resultados futuros. Para tal finalidade, deve ser considerado, por outro lado, que o executor do loteamento também desejará ter, em contrapartida, a garantia de seus investimentos para execução do custeio da obra e serviços, que se agregarão ao imóvel conforme o Código Civil, como beneficiamentos ou transformações da área, não desejando que estes fiquem ancorados num imóvel do qual não tenham segurança, eis que apenas decorrentes de um contrato sem garantias e desprovido de efeitos reais.
 
Toda contratação deve ser equilibrada e as partes no desempenho de suas obrigações e de seus direitos devem contar com contrapartidas, e o quando possível de modo contemporâneo ou simultâneo.
 
Dentro deste espírito de equivalência de situações e de equilíbrio contratual, é possível fugir dos modelos acima, que, há décadas, vem sendo utilizado pelo mercado de loteamento e incorporações. Adota-se uma estrutura em que as posições do proprietário (inicialmente titulado de todas as garantias) e do empreendedor (inicialmente sem necessidade de garantias, pois ainda nada investiu) vão se invertendo em compensações a favor de quem está acrescentando valor à área e que precisará, por consequência, de mais proteção, face àquele proprietário que ficou estatizado no investimento e na obtenção de resultado.
 
Além de várias formas de conjugação de esforços para realizar loteamentos ou incorporações, o mercado tem adotado ainda outras para regular as relações proprietário e executor, que não excluía constituição de SPE por razões tributárias. Porém, sem o grau de equivalência de riscos, como adiante sugerida. São essas outras formas: sociedade em conta de participação (SPE), SCP, consórcio, Fundo de Investimento Imobiliário (FII), ou ainda por meio de Fundo de Investimentos em Participações Societárias (FIP). Todas as alternativas com suas vantagens e desvantagens que devem ser consideradas caso a caso.
 
Com a preocupação de equilibrar posições, é possível adotar uma solução mais trabalhosa, porém mais segura para ambos os contratantes com a preservação de benefícios fiscais mantidos pela SPE singela. Contudo, acrescido de um procedimento com a inversão de posição de capitalização. A inversão é feita em momentos contínuos e proporcionais à capitalização dos valores de créditos gerados de gastos de obras e serviços, feitos pelo outro sócio responsável pela execução, e assim aceito pelo sócio proprietário em relação aos limites que devem ser admitidos.
 
Assim, é aconselhável uma contratação pela qual uma SPE é criada com conferência de bens pelo proprietário do imóvel para que este detenha 99,99% do capital, subscrevendo o sócio empreendedor inicialmente uma participação simbólica, mas com a garantia de atingira integralização do seu percentual final no empreendimento. Aumenta-se a participação acionária do executor do loteamento com seus créditos de pagamentos de serviços e obras realizadas e na medida em questão estes créditos efetivados pela aceitação das obras e serviços na proporção pré-fixada do resultado do negócio ajustado com o sócio (ex-proprietário do imóvel), o que acarreta a inversa diminuição de participação deste último no capital social.
 
O sócio proprietário e o sócio empreendedor, este titulando 0,01%, fará um contrato de construção da obra e serviços do loteamento, que será por ele executado ou custeado, caso indique terceiro sob sua indivisa responsabilidade, e os valores pagos pelo sócio empreendedor para o custeio de obras e serviços serão creditados até um valor predeterminado como AFAC na SPE, de modo que, paulatinamente, vá o empreendedor subscrevendo capital e adquirindo com ágio as quotas da empresa até atingir o limite de sua participação, “in casu”, dos hipotéticos 60%.
 
No contrato da SPE, além da distribuição desproporcional, também será admitida a participação representativa (com restrições) do sócio empreendedor, de modo a lhe competir a administração ordinária da sociedade, a qual poderá ser aumentada à medida que a posição deste executor seja acrescida por decorrência das integralizações. A sociedade será, até atingido o limite de participação das partes no negócio (hipoteticamente 40% o proprietário e 60% o empreendedor) mantida como “Sociedade Limitada” a fim de ser permitida a distribuição desproporcional de lucros. Assim deverá ser mantida. Pelo menos até o momento que restar apenas “carteira de recebimentos” a crédito da SPE.
 
Em paralelo, haverá um “Acordo de Acionistas” onde, basicamente, se disporá sobre atos de administração extraordinária (competência do proprietário enquanto majoritário), do poder de destituição do sócio empreendedor, caso o administrador não logre aprovação de suas contas, ou no caso de má gestão por ato comprovado dos casos de cisão, incorporação e de fusão, de direitos de TAG e DRAG, de estruturas do exercício de preferência, de subscrição de quotas com ágio, de condições de transformação da limitada ou sociedade anônima, de entrega de terceiros na sociedade, da manutenção da posição de 40% (hipotéticos no exemplo), do sócio (anterior proprietário do imóvel) nos resultados, da política de vendas, da fixação de preços de venda de lotes e de sua alteração, da contratação de marketing, da contratação de corretores, de auditores e do direito de exclusão de sócio minoritário.
 
A adoção do meio societário para ajustar o equilíbrio das relações proprietário e executor do loteamento não impede o mesmo uso de tratamento fiscal da SPE que se mostra vantajoso também em outras alternativas já alinhadas. De fato, a SPE, sob forma de limitada para permitir a distribuição desproporcional de lucros, deverá ter preferencialmente seu enquadramento tributário sob o regime de “lucro presumido”. Esse regime tem como base de cálculo um percentual da receita bruta. No caso de lucro real,  a base de cálculo é o resultado real da venda dos imóveis. O percentual para a apuração da base de cálculo presumida do IRPJ nessa atividade é de 8% sobre a receita de atividade imobiliária, o que torna a carga tributária geralmente menor em relação à tributação pelo regime do lucro real.
 
Nessa opção, a carga total tributária relativamente aos impostos federais é de 6,73% da receita da atividade imobiliária. A opção pelo lucro presumido também permite a distribuição de lucros com isenção na pessoa dos beneficiários, limitada ao valor que serviu de base de cálculo, descontado o valor dos tributos incidentes (ou seja, base presumida líquida dos impostos federais incidentes). Se a SPE apurar o lucro em balanço, após descontados os tributos  incidentes (IR, PIS, COFINS e CSLL = 6,73%), poderá distribuir a título de lucros aos sócios a diferença entre a receita e esse valor, sem incidência de ir na fonte frente aos sócios. Por outro lado, se a SPE (como optante do regime do lucro presumido) não demonstrar que o lucro distribuído (superior ao valor da diferença entre a base de cálculo presumida e os tributos incidentes) é lucro apurado em balanço, não poderá distribuir esse valor superior a 8% da receita menos 6,73% da receita, sem a incidência do imposto de renda na fonte. Nesse caso, o que se distribuir a mais é rendimento tributável dos sócios (tabela progressiva para  o sócio, pessoa física e receita tributável da sócia pessoa jurídica - no regime real ou presumido).
 
A se acolher o uso da solução societária, poderá ela ter a vantagem ainda para a separação de resultados futuros que não mais dependerá do concurso de execução de obras ou serviços. Por operação de cisão, por exemplo, as participações dos sócios poderão ser separadas e repartidas, de modo que para o benefício do recebimento da carteira gerada cada parte deve fazer a sua própria e direta gestão, inclusive com a reversão de lotes para os casos de rescisão de vendas. Não há transferência de direitos sociais imobiliários, mas apenas uma mutação na posição de quotas, sem a incidência de ITBI.
 
Também para a partilha de lotes (antecipação de resultados, ou dissolução parcial), no curso do loteamento ou para o encerramento da sociedade (extinção) e pagamento de haveres dos sócios, o acolhimento das sugestões se mostra vantajoso, sob a visão fiscal e prática para os sócios na coleta de seu quinhão.
 
A implementação deste meio de proteção equilibrado pode, eventualmente, encontrar resistência das partes motivadas pela preferência da adoção de riscos contra a criação de uma estrutura sólida e de controle pelo simples fato da novidade. Certamente, será compensadora pela segurança recíproca de proprietários que investem suas áreas e dos experts que investem seus recursos e conhecimento no melhor aproveitamento de uma área.
 
Fonte - Conjur

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Leis tributárias são gestadas a portas fechadas no país

Imagine-se um país onde, ao se iniciar o processo de elaboração do projeto de uma lei tributária das mais relevantes, convoca-se um professor renomado, de uma das principais universidades do país, para assumir o trabalho de redação. Vamos sonhar mais, imaginado que, pronto o projeto, é feita uma consulta pública para que todos os interessados possam apresentar suas críticas e sugestões ao texto, criando-se uma comissão para a revisão das centenas de mensagens recebidas. Tal comissão, composta por servidores do Ministério da Fazenda do país em questão, é presidida pelo ministro da Fazenda. Por fim, deixemos a imaginação fluir ainda mais, e pensemos que, passado algum tempo sem que tal lei tenha sido editada, outros nomes entre os principais tributaristas do país sejam agregados ao projeto, auxiliando o professor que já estava a bordo a terminar o trabalho.
 
Numa primeira aproximação poderíamos pensar que tais fatos encontram-se nos domínios da ficção, ou que, se ocorreram, passaram-se em algum país escandinavo com população inferior à da Cidade do Rio de Janeiro. Ledo engano. Em linhas muito gerais tal foi o processo de elaboração da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, mais conhecida como Código Tributário Nacional (CTN).
 
Em 1953, comissionado pelo então ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, o professor da Universidade de São Paulo, Rubens Gomes de Souza, preparou um anteprojeto de Código Tributário Nacional. O texto do anteprojeto foi então publicado no Diário Oficial, para que fossem apresentadas críticas e sugestões, as quais chegaram ao número de 1.152, e que foram revistas por uma Comissão composta pelo próprio Rubens Gomes de Souza e pelos funcionários do Ministério da Fazenda Afonso Almiro Ribeiro da Costa, Pedro Teixeira Soares Júnior, Gerson Augusto da Silva e Romeu Gibson.
 
Finalizado o Projeto do que seria o Código Tributário Nacional, foi ele encaminhado para a Câmara dos Deputados. Porém, o Projeto 4.834/1954 não chegou a ser votado.
 
O interesse pela matéria voltou durante o governo Castelo Branco. Mais uma vez, a condução da produção legislativa ficou a cargo do professor Rubens Gomes de Souza, a quem se somou o intelecto de um dos maiores tributaristas brasileiros, Gilberto de Ulhôa Canto, além do ilustre Gérson Augusto da Silva, que trabalharam juntamente com o Ministério da Fazenda e a Fundação Getúlio Vargas. Em outubro de 1966 era editada a Lei 5.172, que em 1967 ganharia o nome de Código Tributário Nacional.
 
Anos mais tarde um processo semelhante seria vivenciado na elaboração da Lei das Sociedades por Ações, cujo projeto ficou a cargo de José Luiz Bulhões Pedreira e Alfredo Lamy Filho, a pedido do Ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen.
 
Este breve retorno ao passado não foi acidental. Nossa grande finalidade aqui é comparar este processo legislativo com o que estamos vivenciando com a edição da Medida Provisória 627/2013 e sua conversão em lei.
 
A primeira grande mudança, que se tornou a marca registrada do processo legislativo fiscal contemporâneo no Brasil, é a supressão da participação do Poder Legislativo no debate de um Projeto de Lei, para a sua transformação em órgão de chancela das Medidas Provisórias editadas pelo Poder Executivo, que as veicula sem pudor de trancar a pauta e o planejamento dos trabalhos do Legislativo.
 
O traço mais marcante do processo de elaboração do CTN foi a participação intensa e formal da sociedade civil e a influência que especialistas não vinculados ao Ministério da Fazenda, como Rubens Gomes de Souza e Gilberto de Ulhôa Canto. Atualmente, todas as leis tributárias, das mais básicas às mais complexas, são gestadas a portas fechadas na Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Se há um adjetivo que se pode atribuir ao processo legislativo tributário brasileiro é "opaco". Embora se fale muito em transparência nos dias de hoje, o Poder Público é mais ávido a cobrar transparência do contribuinte do que a ser transparente com ele.
 
Em um cenário de opacidade, toda transparência e toda participação é concessão do Poder Público, favor que é distribuído de acordo com sua vontade àqueles a que bem entender.
 
Dessa forma, durante a elaboração da Medida Provisória 627/2013, ao invés de um procedimento público, republicano e democrático de consulta pública, como tivemos por ocasião da edição do CTN, o que se viu foi uma participação seletiva, concedida como uma benesse, um favor, como se não fora obrigação do Poder Público interagir e ouvir a sociedade civil sobre um projeto legislativo de tamanha relevância.
 
Tudo o que se está presenciando na tramitação da Medida Provisória 627/2013 no Congresso Nacional, que passou por modificações significativas em pontos centrais, está de algum modo relacionado com este vício de origem do texto.
 
A produção legislativa ditatorial que vimos presenciando nos últimos anos na área fiscal tem que ser um dos primeiros itens na agenda de qualquer reforma tributária. Não só o Poder Legislativo tem que ser trazido de volta para o centro do processo, como os contribuintes também têm que ser ouvidos de forma intensa, sendo a publicação do projeto de lei na imprensa oficial, com a abertura de prazo para manifestações, a forma mais democrática para se empreender grandes reformas legislativas.
 
Também já passou a hora de se controlar efetivamente os requisitos de relevância e urgência das Medidas Provisórias. Ou se riscam os requisitos do artigo 62 da Constituição Federal, ou eles têm que servir para algo, o que não tem sido o caso desde praticamente a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, mas principalmente desde o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, situação que não se alterou nos governos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff.
 
Fonte - Conjur

sábado, 12 de abril de 2014

Da necesidade do advogado nas negociações e aquisições de imóveis.


Hoje no Brasil, o mercado imobiliário se encontra muito aquecido, condição esta que resulta em muitas negociçãoes no referido âmbito, seja na compra e venda de grandes áreas rurais perto das cidades para a formação de loteamentos, condomínios ou até mesmo na compra e venda de imóveis já prontos ou de terrenos já urbanizados para construções. 
 
Considerando referida situação percebe-se que a cultura do brasileiro, ainda é muita restrita no sentido de contratar um advogado para acompanhar suas negociações.
 
Observe que quando se trata de compra e venda de imóveis, sempre existe a necessidade da averiguação prática e minuciosa dos documentos do imóvel que está se comprando ou vendendo, tanto para conferir a veracidade dos mesmos, como para a verificação da existência de ônus na matrícula ou escritura que possam vir a trazer problemas futuros na referida aquisição. 
 
Não raro, é o comprador de algum imóvel não tendo procurado o profissional qualificado para as devidas precauções junto a realização de negócios de compra e venda de imóveis ao fim se direcionar a algum escritório de advocacia para após o "leite derramado" tentar alguma solução para o negócio mau feito.
 
Veja que primordial seria para aquele que tem interesse em negociações seja do âmbito imobiliário, que é nosso foco no momento, ou qualquer outro que vá envolver grande quantia em dinheiro, que seja contratado um advogado para que possa analisar a documentação de forma eficaz e concreta para que não haja aborrecimentos e prejuízos futuros com uma má negociação.
 
É bom ressalatar que em muitas destas negociçãões, tanto o que está vendendo quanto o que está comprando estão fazendo os negócios de suas vidas, pois muitos usam toda aquela economia que guardaram durante anos para a realização do sonho da compra de um imóvel próprio e outros no interesse de um investimento maior vendem suas propriedades que conseguiram com tanto dificuldade e ao fim tanto um quanto outro (comprador ou vendedor) quando realizado algum negócio de forma errada vão ao desespero, visto a dificuldade que se impõe para resolução do problema quando da realização do mesmo de forma incorreta.
 
Apenas a título de exemplo vale citar a cultura americana, principalmente nos Estados Unidos, que a grande maioria dos cidadãos, seja de maior ou menor poder aquisitivo, ou em grandes negociações ou pequenas tomam o cuidado de contratar um advogado para o acompanhamento do negócio.
 
Desta forma imprescindível é para o bom andamento das negociações e para que não haja prejuízos futuros, que as partes contratem um advogado da área  para proceder todo o acompanhamento necessário inerente a negociação, trazendo assim a segurança necessária para realização do ato jurídico.
 
 
Por Robson Augusto Pascoalini
 
 
 

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Soluções amigáveis devem ser prioridade empresarial

 
Segundo o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, a cada ano, para cada dez novas demandas propostas no Poder Judiciário brasileiro, apenas três demandas antigas são resolvidas. Some-se a este preocupante dado que encontram-se pendentes cerca de 93 milhões de feitos. Sem dúvida vivemos um sério problema de déficit operacional.
 
Algumas das atuais soluções para esta delicada situação deficitária envolvem uma preocupação essencial com o uso racional e eficiente da máquina estatal. Certamente se pode afirmar que, se uma parte vence uma disputa mas ainda encontra-se insatisfeito ao final do processo, há algo nesta máquina estatal (ou no seu uso) a ser questionado.
 
De fato, partes vencedoras de uma disputa frequentemente se sentem perdedoras em razão do tempo, custas e, principalmente, perda de vínculo. Este último item para muitos dos maiores litigantes no nosso país é especialmente precioso, pois a perda de vínculo com um consumidor envolve necessidade de dispêndio com marketing para repor o cliente perdido e o prejuízo decorrente da imagem da marca. Não restam dúvidas de que um litígio gera adversários de grande animosidade e pode destruir as relações entre os envolvidos.
 
Todavia, a adoção de novas práticas para uso eficiente do Poder Judiciário consiste em uma decisão eminentemente de política empresarial: perceber que pode haver ganho com a participação da empresa nas conciliações, tratando estas como uma oportunidade de marketing direto e de aproximação com o consumidor. Ganha o consumidor, que é melhor atendido; e ganha a empresa, que preserva seu maior patrimônio: o cliente.
 
Para tanto, faz-se necessário ter uma perspectiva não adversarial de uma disputa judicial. Perceber o consumidor como adversário em um processo judicial induz a empresa a agir de forma defensiva e até mesmo passiva quanto ao contexto apresentado pelo autor (e.g. “os autores argumentam que prestamos esse serviço de forma falha e nós contra-argumentamos que o serviço foi bem prestado”).
 
Por outro lado, perceber o consumidor (de forma não adversarial) como parceiro essencial da empresa, mesmo em um processo judicial, induz a empresa a agir de forma construtiva e proativa quanto ao contexto indicado pelo autor (e.g. “os autores argumentam que prestamos esse serviço de forma falha e, como compartilhamos do interesse dos nossos clientes de prestar serviços de excelência, gostaríamos de conversar sobre formas de melhor atende-los”).
 
A mudança de perspectiva acima apresentada requer – entre outras atividades típicas de empresas modernas no sentido de contar com um programa de desenho de um sistema de prevenção e resolução de disputas - treinamento de prepostos com o intuito de otimização de recursos da própria empresa. Esta conclusão tem sido trabalhada pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2009 . Nesta oportunidade, indicou-se que se faz necessário trabalhar a noção de que o Estado precisa preparar o jurisdicionado para adequadamente utilizar o sistema público de resolução de disputas.
 
Para melhor elucidação da importância deste trabalho nas políticas públicas em prevenção e resolução consensual de disputas pode-se utilizar a alegoria de que, se o Poder Judiciário se propõe a ser um hospital de relações sociais – voltado também à melhoria destes vínculos -, faz-se necessária a adoção de práticas de orientação para o uso eficiente do sistema público de resolução de disputas.
 
Assim, como indicado em outra oportunidade , imagine-se um cirurgião que, ao adentrar uma sala de cirurgia, nota que o paciente está com roupas cotidianas e sujo — não passou pela assepsia usual a essa prática. O mesmo, com adaptações necessárias, foi identificado na prática brasileira da conciliação. Frequentemente, partes chegavam à conciliação sem a adequada preparação: pelo conciliador, pela empresa, ou mesmo pela parte pessoa física. O “cirurgião” recebia apenas breves apontamentos teóricos de como “operar” e os “pacientes”, sem nenhuma orientação de como se prepararem. O tempo da “cirurgia” era definido pela pauta do cirurgião e não pela complexidade do caso. Não era sem motivo a patente insatisfação com a conciliação no final do século XX e nos primeiros anos do século atual.
 
Esta preocupação de melhor preparar os usuários para utilizar adequadamente o sistema público de resolução de disputas — ou, como indicado acima, “preparar o paciente para a cirurgia” —, diversos tribunais, como já noticiado , dentre os quais o TJ-DF, o TJ-RJ e o TJ-SP, iniciaram treinamento de capacitação de prepostos.
 
Nesses treinamentos, advogados e diretores jurídicos e financeiros das empresas são estimulados a identificar falhas comuns na atuação cotidiana em conciliações, dentre as quais destacam-se quatro aspectos fundamentais: a) desconsideração do custo de imagem que a conciliação mal administrada pode gerar para a empresa; b) negociar na conciliação como se estivesse em audiência de instrução; c) tentar vencer o conflito e d) perceber a conciliação como alternativa.
 
a) Muitas empresas despendem significativos recursos para captar novos clientes, mas não consideram o custo de perder um cliente em razão de uma atuação descuidada do preposto na conciliação. Nesses treinamentos, estimulam-se as empresas a considerarem o custo da captação do novo cliente (gasto com propaganda e marketing dividido pelo número de novos clientes por ano) ao planejarem como será a atuação dos seus prepostos na conciliação.
 
b) No que concerne à adequada compreensão das partes e advogados quanto às características intrínsecas da conciliação, cumpre registrar que há uma prática profissional específica em processos autocompositivos. Na conciliação, a adoção de uma postura do preposto deve ser humanizada, zelosa e solucionadora, sob pena do outro interessado/parte não se engajar de forma plena no processo de resolução de problemas que, em essência, é o trabalho da conciliação. A compreensão de que a conciliação seria uma instrução “disfarçada” somente contribui para a imprópria condução da conciliação e, por conseguinte, baixa resolutividade, excessiva litigiosidade e, naturalmente, insatisfação das partes com seu desenvolvimento;
 
c) Ao tratar o conflito como uma dinâmica na qual um dos envolvidos pode sair como claro vencedor, transformando o outro em patente perdedor, frequentemente as partes envolvidas se engajam em condutas competitivas visando mais do que vencer, incutir a perda ao outro. Como resultado, ao menos parcialmente, ambos tendem a perder e inadvertidamente abdicam de diversos interesses que possuem, como a manutenção do relacionamento social pré-existente com a outra parte ou a resolução dos pontos controvertidos como objetivamente apresentados no início do conflito, não em razão de um acirramento do conflito que se expandiu tornando-se “independente de suas causas iniciais”. A percepção, em um determinado conflito, de que é necessário que a parte “vença a outra” — e não “objetivamente resolva os pontos em relação aos quais as partes divergem” — faz com que as partes envidem esforços para prejudicar uma à outra e não necessariamente apenas resolvam os pontos controvertidos;
 
d) A experiência dos últimos 30 anos tem mostrado que o comprometimento com a forma de resolução de disputa adotada (com respectivas características) influi significativamente no adequado desenvolvimento do processo e, por conseguinte, na satisfação das partes com a solução alcançada. Empresas e escritórios de advocacia que tratam a conciliação ou mediação como uma “forma secundária” de resolução de disputas tendem a não investir em treinamento de seus advogados e administradores. Como consequência, há o exercício intuitivo desses processos, que em regra se resume a aplicar a conduta profissional característica do processo judicial à mediação ou à conciliação. Naturalmente, como visto acima, essa prática intuitiva, em regra, leva ao desvirtuamento da conciliação e a consequentes custos mais elevados (ou redução dos níveis de satisfação dos usuários).
 
Merece destaque que, após o treinamento de prepostos e advogados no Brasil, os índices de conciliação subiram em mais de 120%. Empresas como Vivo, Tim, Sky Telecomunicações, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Casas Bahia, entre outras, receberam treinamento e o CNJ, ou os próprios tribunais, ofereceram esse treinamento sem nenhum custo aos participantes.
 
O Poder Judiciário tem passado por mudanças significativas quanto à sua função, adotando a uma posição de ativismo também quanto à orientação e educação do usuário para tornar soluções amigáveis de disputa uma prioridade empresarial.
 
Com isto, o Poder Judiciário se aproxima de uma de suas mais belas funções: educar a sociedade para tornar-se mais consensual; ao mesmo tempo em que enfrenta de forma direta um de seus maiores desafios: o déficit operacional.
 
Fonte - Conjur

quinta-feira, 10 de abril de 2014

STJ vai uniformizar jurisprudência sobre abandono afetivo

Abandono afetivo é termo hoje encontrado com relativa frequência no âmbito forense e nos mais variados manuais de direito de família.
 
Em resumo, consiste na indiferença afetiva dispensada por um genitor a sua prole, um desajuste familiar que sempre existiu na sociedade e, decerto, continuará a existir, desafiando soluções de terapeutas e especialistas.
 
O que é relativamente recente, contudo, é a transferência dessa contenda própria do ambiente familiar para as salas de audiências e tribunais país afora, essencialmente sob a forma de indenizações pecuniárias buscadas pelo filho em face do pai, ao qual se imputa o ilícito de não comparecer aos atos da vida relacionados ao desenvolvimento social e psíquico de seu descendente.
 
O Superior Tribunal de Justiça terá a inédita oportunidade de uniformizar o entendimento acerca do tema por ocasião do julgamento dos EREsp 1.159.242/SP, de relatoria do eminente ministro Marco Buzzi, previsto para esta quarta-feira (9/4), na 2ª Seção - Direito Privado.
 
A primeira vez em que a corte deliberou sobre o tema foi no julgamento do REsp 757.411/MG, relatado pelo ministro Fernando Gonçalves. O caso foi julgado pela 4ª Turma, no dia 29 de novembro de 2005, tendo aquele Colegiado, por maioria de votos, sufragado a tese de ser incabível a indenização por abandono afetivo.
 
O voto condutor apoiou-se em dois fundamentos: a) a consequência jurídica do abandono e do descumprimento dos deveres de sustento, guarda e educação é a destituição do poder familiar (artigo 24 do Estatuto da Criança e Adolescente e artigo 1.638, inciso II, do Código Civil), não havendo espaço para a compensação pecuniária pela desafeição; b) a condenação ao pagamento de indenização, na contramão dos mais nobres propósitos imagináveis, consubstanciaria exatamente o sepultamento da mínima chance de aproximação entre pai e filho, seja no presente ou futuro.
 
Essa tese foi reafirmada por ocasião do julgamento do REsp 514.350/SP, relatado pelo ministro Aldir Passarinho Junior, na 4ª Turma, em 28 de abril de 2009.
 
Porém, no primeiro semestre de 2012, a 3ª Turma abraçou entendimento contrário, tendo sido acolhida a possibilidade de indenização do abandono afetivo (REsp 1.159.242/SP, relatado pela ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 24 de abril de 2012). A ilustrada relatora, no que foi acompanhada pela maioria dos demais integrantes do colegiado, consignou que o chamado abandono afetivo constitui descumprimento do dever legal de cuidado, criação, educação e companhia, presente, implicitamente, no artigo 227 da Constituição Federal, omissão que caracteriza ato ilícito passível de compensação pecuniária. Utilizando-se de fundamentos psicanalíticos, a eminente relatora afirmou a tese de que tal sofrimento imposto a prole deve ser compensado financeiramente.
Diante do dissídio jurisprudencial entre as 3ª e 4ª Turma do mesmo Tribunal, a Segunda Seção do STJ apreciará os embargos de divergência (EREsp 1.159.242/SP).
 
O julgamento é importante e realça o papel do Tribunal da Cidadania, no sentido de uniformizar a jurisprudência nacional como último intérprete da lei federal. Certamente, ambas as posições têm seus pontos virtuosos e merecem detida reflexão.
 
A professora Maria Berenice Dias foi no cerne da questão: “os grande desafio dos dias de hoje é descobrir o toque diferenciador das estruturas interpessoais que permita inseri-las em um conceito mais amplo de família. Esse ponto de identificação é encontrado no vínculo afetivo”.
 
A posição quanto a não indenização tangencia pontos sensíveis acerca do tema, notadamente a indesejável intervenção do Estado na família e a desjudicialização das relações sociais.
 
Em outras palavras, o direito de família deve observar uma principiologia de intervenção mínima neste campo — pois envolvem bens especialmente protegidos pela Constituição, como a intimidade e a vida privada —, erguidos como elementos constitutivos do refúgio impenetrável da pessoa e que, por isso mesmo, podem ser opostos à coletividade e ao próprio Estado.
 
Finalmente, a migração para os tribunais de temas antes circunscritos ao ambiente familiar merece mesmo reflexão não somente de juristas, mas de terapeutas e cientistas sociais, como forma de análise da família no contexto do novo milênio.
 
Assim, realizada essa breve abordagem acerca das posições contrária e favorável da indenizabilidade do abandono afetivo, é mesmo hora propícia para que o Superior Tribunal de Justiça uniformize a jurisprudência sobre esse delicado tema.
 
De toda sorte, independentemente da conclusão a ser obtida no julgamento dos EREsp 1.159.242/SP, o debate ora estabelecido parece, de fato, confirmar que a chamada “modernidade líquida”, segundo Bauman, promove uma progressiva eliminação da "divisão, antes sacrossanta, entre as esferas do 'privado' e do 'público' no que se refere à vida humana”.
 
Fonte - Conjur